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Senadores empregam fantasmas e até cassados

Em 30% dos gabinetes, estudantes, advogados e até médicos

Chico de Gois e Roberto Maltchik – O Globo

Mesmo depois da crise de 2009, quando descobriu-se que atos secretos nomeavam parentes e funcionários-fantasmas em seus gabinetes, senadores não perderam o hábito do empreguismo. Pelo contrário. Usam a estrutura da Casa para acomodar profissionais com atividades particulares, mas que recebem dinheiro público - ou que respondem a processos por mau uso de recursos do contribuinte.

Levantamento realizado pelo GLOBO com base no Quadro de Servidores Efetivos e Comissionados demonstra que dos 81 senadores, pelo menos 25 (30%) abrigam em seus escritórios em Brasília ou nos estados desde estudantes que moram fora do Brasil, até médicos e advogados que passam o dia entre clínicas e tribunais. Há também casos de aliados que enfrentam denúncias do Ministério Público ou até mesmo foram cassados por compra de votos.

O presidente do DEM, Agripino Maia (RN), pagava até semana passada mais de R$ 4 mil mensais em seu escritório político no Rio Grande do Norte para uma servidora fantasma. Estudante de Medicina, em vez de trabalhar para o senador em Natal, ela foi fazer um estágio, em agosto de 2011, na Espanha. Gleika de Araújo Maia é sobrinha do deputado João Maia (PR-RN) e do ex-diretor-geral do Senado, Agaciel Maia, demitido por manter escondidos os atos de nomeações e benefícios de pessoas protegidas pelos senadores. Depois de procurado pelo GLOBO, o senador demitiu a funcionária.

Já o líder do PMDB, Renan Calheiros (PMDB-AL), após renunciar à Presidência do Senado por causa de acusações de que teria recebido dinheiro de um lobista, mantém velhos conhecidos em seu gabinete. Em 2011, resolveu chamar para trabalhar no escritório regional a fisioterapeuta Patrícia de Moraes Souza Muniz Falcão. De acordo com o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (Cnes), do SUS, ela atua em duas clínicas, uma delas o Instituto Graça Calheiros, por 40 horas semanais. Renan disse não saber.

O peemedebista não abre mão da mulher de seu primo, o empresário Tito Uchôa, sócio do filho do senador, o deputado Renan Calheiros Filho, no Sistema Costa Dourada de Difusão. Vânia Lins Uchoa Lopes teve de deixar um cargo na presidência do Senado, em 2009, acusada de ser funcionária-fantasma.

Em 9 de novembro de 2009, ela foi recontratada e até hoje é paga pelo Senado.

No Rio Grande do Norte, o senador Paulo Davim (PV) paga R$ 8,1 mil para a cardiologista Carla Karini de Andrade Costa, sua sócia em uma clínica no estado. Segundo dados do Ministério da Saúde, ela cumpre 50 horas semanais de trabalho no exercício da Medicina. A assessoria de Davim sustenta que 80% dos pronunciamentos do senador na tribuna do plenário versam sobre saúde. E ela seria a consultora técnica.

"Tudo é tolerado até que vire escândalo"

Além desses casos, nos quais senadores se valem da resolução do Senado criada em 2010 para regulamentar o horário flexível de trabalho, há os parlamentares que não se importam com o passado de seus funcionários de confiança. O ex-governador do Piauí, senador Wellington Dias (PT-PI), emprega em seu escritório no estado o ex-prefeito de São Pedro do Piauí, Higino Barbosa Filho, cassado pelo Tribunal Regional Eleitoral em 3 de novembro de 2009 por abuso de poder econômico e captação irregular de votos. Ele responde a três ações por improbidade administrativa. Wellington alegou que o processo não transitou em julgado - embora Higino tenha sido afastado do mandato por decisão judicial.

O senador Ivo Cassol (PP-RO) patrocina uma ilegalidade. O jornalista Francisco Sued de Brito Pinheiro Filho, nomeado como assistente parlamentar em 1 de dezembro do ano passado, ganhou outro cargo público, na Assembleia Legislativa de Rondônia. Em 1 de fevereiro deste ano, ele foi nomeado para trabalhar no gabinete da presidência da Assembleia. Embora o acúmulo de função pública seja proibido por lei, Sued continua a receber pelo Senado e pela Assembleia. A assessoria do senador disse, há 10 dias, que Cassol já havia identificado o problema e mandara demitir o funcionário. No entanto, até sexta-feira ele continuava como servidor federal, de acordo com o Quadro de Servidores Efetivos e Comissionados do Senado.

Cassol emprega Carlos Alberto Canosa, seu ex-secretário de Assuntos Estratégicos quando foi governador de Rondônia. O Tribunal de Contas do Estado (TCE) pediu abertura de investigação contra Canosa por irregularidades em contrato de R$ 15 milhões para publicidade do governo.

Presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), a senadora Kátia Abreu (PSD-TO) mantém entre seus funcionários Sani Jair Garay Naiamayer. Em dezembro de 2008, a Justiça do Trabalho anulou uma sentença em que o filho de Sani, Cláudio Márcio Almeida Naimaier, havia ganho direitos trabalhistas em uma ação indenizatória contra o pai. O Ministério Público do Trabalho comprovou que a ação foi fraudulenta porque a fazenda Nova Querência, de Sani, sofria duas execuções financeiras da Fazenda Pública do Tocantins, além de duas hipotecas em favor do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A senadora emprega Abdon Mendes Ferreira, condenado pelo TCE a devolver R$ 123 mil aos cofres públicos de Crixás por gasto irregular com alimentação, hospedagem e obras.

Cientista político da Universidade de Brasília, Ricardo Caldas disse que a presença de fantasmas e condenados por desvio de dinheiro público faz parte da cultura política do país, que ainda se pauta pela troca de favores.

- Ou você acredita que o senador não está retribuindo um favor? O sistema tende a acobertar até mesmo delitos de outros políticos. Tudo é tolerado até que vire escândalo. Tudo pode ser feito, se não for divulgado.

Maioria dos senadores não vê problema

Alguns prometem providências; José Agripino demite funcionária

BRASÍLIA. A maioria dos senadores procurados pelo GLOBO disse não ver problemas em contratar assessores com pendências na Justiça ou com acúmulo de funções, sobretudo no caso dos advogados. Alguns, no entanto, prometeram providências, caso considerem que haja alguma irregularidade. O presidente do DEM, José Agripino (DEM-RN), demitiu a servidora Gleika de Araujo Maia assim que foi procurado pela reportagem para explicar como uma funcionária que fazia curso na Espanha podia trabalhar em seu escritório.

- Eu não sabia disso e, ao ser informado de que era verdade, mandei afastá-la. Houve quebra de confiança - declarou.

Renan Calheiros, líder do PMDB, também afirmou que não sabia da atividade profissional da fisioterapeuta Patrícia de Moraes Souza Muniz Falcão. De acordo com sua assessoria, se houver incompatibilidade no desempenho da função em seu escritório, ele tomará providências. Sobre Vânia Uchoa, ele disse que sua contratação nada tem a ver com o fato de ser mulher de Tito Uchôa.

Paulo Davim (PV-RN), que emprega uma cardiologista, sua sócia em uma clínica, assegura que não abre mão da servidora, que presta relevantes serviços ao mandato, voltado prioritariamente à saúde, no exercício do "terceiro turno". Da mesma forma que não abre mão do advogado, que cursa especialização na Paraíba. A senadora e presidente da Confederação Nacional da Agricultura, Kátia Abreu (PSD-TO), informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que não tinha conhecimento de nenhuma das ações judiciais envolvendo seus servidores. Ela declarou, ainda, que pediu informações a eles para a avaliação de cada caso. A assessoria de imprensa do senador Ivo Cassol (PP-RO) informou que no caso do ex-secretário Carlos Alberto Canosa não há irregularidade no processo de contratação da empresa de comunicação. O senador Roberto Requião (PMDB-PR), que emprega a mulher do secretário de Segurança do Paraná e um coronel da PM da ativa, cedido, informou que não há nenhum tipo de ilegalidade nas contratações. Outro caso identificado no levantamento mostra que o senador José Pimentel (PT-CE) emprega no gabinete os irmãos Telma Dantas Tavares e Tércio Dantas Tavares. De acordo com a assessoria do parlamentar, os trabalhos são compatíveis e necessários. Telma trabalha junto a "comunidades sociais", enquanto Tércio, recém nomeado, "acompanha ações junto aos trabalhadores rurais". O senador Ciro Nogueira (PP-PI) foi procurado há 10 dias. Voltou a ser procurado, por meio da assessoria, desde quinta-feira, mas não deu respostas sobre a situação dos dois funcionários. A assessoria do senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA) não retornou as ligações da reportagem.

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