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Justiça bloqueia bens de presidente da Emop, servidores e empresa por desvios na Serra

Ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal de Nova Friburgo, na Região Serrana

Antônio Wernek - O Globo

 
RIO - Uma ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal de Nova Friburgo, na Região Serrana, levou a Justiça a decretar o bloqueio dos bens de Ícaro Moreno Júnior, presidente da Empresa de Obras Públicas (Emop), órgão do estado, e de mais três pessoas, todas acusadas de improbidade administrativa por irregularidades na reforma de escolas públicas atingidas pelas fortes chuvas de janeiro de 2011. Segundo o MPF, a empresa CCJ Construções e Empreendimentos, contratada irregularmente, também teve seus bens bloqueados. Para os procuradores, o presidente da Emop, outros dois funcionários da empresa e um diretor da CCJ, que eram os fiscais dos contratos, concorreram para fraudar a forma de contratação dos serviços e “permitiram a realização de pagamentos por serviços não executados”.

Para o procurador da República João Felipe Villa do Miu, do Ministério Público Federal de Friburgo e responsável pelas investigações, há fortes indícios de participação do grupo em fraudes e irregularidades na execução das obras.

— A forma obscura de escolha da empresa, o atropelo das formalidades para dispensa de licitação e a fiscalização de fachada, que permitiu o pagamento por serviços não executados, indicam dolo do gestor estadual na aplicação dos recursos federais — disse o procurador.

Obras sem concorrência


Segundo explicou João Felipe, com as fortes chuvas da madrugada do dia 12 de janeiro de 2011, que deixaram mais de 900 mortos, diversas unidades públicas de ensino sofreram danos e tiveram suas atividades suspensas. Para recuperar as escolas atingidas, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) liberou ao governo estadual cerca de R$ 74 milhões. O FNDE transferiu cerca de R$ 23,6 milhões para a Empresa de Obras Públicas, ligada à Secretaria estadual de Obras, para serem usados no reparo dos colégios.

O MPF garantiu ter identificado, até o momento, desvio de recursos em obras de quatro unidades em Nova Friburgo: Escola Municipal Décio Monteiro Soares, Ginásio Celso Peçanha, Colégio Municipal Franz Haug e Escola Municipal Rui Barbosa.

— Foi ajuizada ação de improbidade administrativa pelo desvio desses recursos. Os empresários e agentes públicos estaduais envolvidos também responderão pelos crimes de peculato, dispensa de licitação sem respeito às formalidades legais e falsidade ideológica — afirmou o procurador.

Ainda de acordo com o MPF, para realizar os reparos necessários, a Emop contratou a empresa CCJ Construções e Empreendimentos por R$ 766 mil, “sem qualquer instrumento contratual formal e sem avaliação acerca da sua capacidade técnica para executar as obras e reformas”. Na avaliação do procurador da República, a “contratação se deu por mera indicação informal, sem nenhuma documentação ou registro”.

— Não há também qualquer evidência de que houve uma consulta mais ampla de empresas para executar a obra, não sendo possível saber como foi conduzido o processo de escolha da CCJ — disse João Felipe.

O entendimento do MPF é de que “houve um claro direcionamento na contratação da referida empresa com dispensa de licitação, em razão da calamidade pública e do caráter de urgência da obra”.

O órgão chama a atenção para o fato de a contratação só ter sido formalizada de fato oito meses após o início das obras, que começaram no dia 24 de janeiro de 2011, com a autorização do diretor-presidente da Emop, e terminaram em março do mesmo ano. A Emop instaurou quatro processos administrativos, um em maio e os outros três em setembro, segundo procuradores, com o objetivo de garantir a aparência de regularidade e o reconhecimento da dívida pelos serviços supostamente prestados pela CCJ.

— Em Nova Friburgo, as investigações prosseguem em relação a 12 empresas que realizaram obras de recuperação das escolas da região, e os depoimentos dos professores têm sido fundamentais para a comprovação das fraudes — revelou o procurador.

Ele afirmou ainda que, ao não providenciar imediatamente os atos administrativos para regularizar as obras, o presidente da Emop comprometeu a transparência do processo. Além disso, a empresa CCJ teria recebido pelo trabalho de profissionais que não participaram das obras, como vigias, almoxarifes, engenheiros, arquitetos e técnicos de edificações, entre outros. De acordo com a ação, a empresa reconheceu a estipulação de serviços inexistentes, mas em momento algum se recusou a receber os valores. Além dos problemas contratuais, foram identificados outros serviços e obras não executados, no valor de R$ 50 mil.

Na ação, pede-se a condenação dos acusados a todas as penas previstas na Lei de Improbidade Administrativa, como suspensão de direitos políticos de cinco a oito anos, proibição de contratar com poder público e receber benefícios ou incentivos fiscais, além de ressarcimento integral dos valores recebidos ilegalmente, mais juros e correção monetária.

Desvio de pelo menos R$ 1,9 milhão

Como O GLOBO tem revelado numa série de reportagens publicada desde o dia 23 passado, dois anos e cinco meses depois da devastação causada por fortes chuvas e de denúncias de corrupção levarem à queda de prefeitos e secretários municipais, a Região Serrana voltou a ser investigada por mau uso de recursos públicos. Agora, a Controladoria Geral da União (CGU) e o MPF investigam o desvio de pelo menos R$ 1,9 milhão, valor que seria usado na recuperação de escolas em vários municípios. Até agora, foram encontrados indícios de fraudes em obras de 13 escolas, com o envolvimento de nove empresas e 11 funcionários da Emop. Basicamente, segundo a CGU, foram observadas reformas e outras obras fantasmas.

Repórteres do GLOBO estiveram em colégios citados nas investigações. Em Teresópolis, do ginásio prometido à Escola Estadual Euclydes da Cunha, só foi concluída a fundação. Em Friburgo, a Escola Estadual Galdino do Valle Filho, no Centro, está fechada e em obras há mais de dois anos. A empresa Concrejato Serviços Técnicos de Engenharia S/A recebeu, em 2011, cerca de R$ 730 mil do governo do estado em contratos de emergência e deveria entregar o colégio reformado no mesmo ano.

Emop refuta acusação do MP Federal de que algumas escolas não precisariam de obras

O presidente da Emop, Ícaro Moreno Júnior, negou, por meio de nota, qualquer irregularidade na execução de obras nas escolas de Nova Friburgo. Segundo o órgão, o “indiciamento e bloqueio de bens são medidas cautelar da Justiça até que seja efetuada defesa prévia ao Ministério Público Federal”. Na mesma nota, Ícaro informou ter determinado a abertura de sindicância interna e a contratação de perícia técnica em engenharia para garantir a isenção na apuração das supostas irregularidades.

Quanto à afirmação do MPF de que “parte das escolas objeto do contrato firmado com a ré CCJ Construções e Empreendimentos Ltda sequer teria sofrido impactos” em razão das chuvas, a Emop rebateu a acusação. “Houve, sim, impactos estruturais danosos nas quatro escolas citadas na ação”, assegurou. Destacou ainda que, no caso do Ginásio Celso Peçanha, o MPF alegou que o fundamento para as intervenções foi seu uso como necrotério, o que, para os procuradores, “seria uma irregularidade”.

Para juiz, há indícios

Para a Emop, no entanto, “não há como negar que o ginásio do colégio foi duramente atingido em consequência da tragédia climática, com corpos de inúmeras vítimas sendo velados na quadra, causando graves danos à escola, com tacos retirados e incinerados, entre outros prejuízos”.

Segundo a decisão do juiz Sandro Valério Andrade do Nascimento, da Justiça Federal de Friburgo, que decretou o bloqueio dos bens, há “indícios veementes de irregularidades de difícil justificativa”. O juiz deixa registrado ainda que, por meio de medidas provisórias, o governo federal abriu crédito extraordinário em favor do Ministério da Educação, a fim de que fosse executado pelo FNDE o plano especial de recuperação da rede escolar pública afetada por desastres.

Treze escolas sem obras

Segundo o magistrado, a execução se daria por transferência dos recursos do FNDE para os estados. Ele observou que se tratava “portanto, de verba vinculada ao atendimento de situação emergencial”. Mas, segundo o juiz, no caso de Friburgo, o relatório de fiscalização da Controladoria Geral da União (CGU) indica que pelo menos oito escolas foram indevidamente reformadas com recursos liberados por meio dessas medidas provisórias. Ele também chama a atenção para o fato de um parecer técnico de engenharia do Ministério da Educação apontar a impossibilidade de se verificar a efetiva execução dos serviços no município de Nova Friburgo, devido à “inexistência de relatório fotográfico mostrando a real situação das escolas antes e depois das obras”.

A Emop, que ficou responsável por executar todas as ações necessárias, deveria ter feito vistorias nas escolas, usado o dinheiro para elaborar levantamentos de serviços, selecionado empresas para executá-los, acompanhado os serviços e liberado o pagamento liberado a partir das medições.

Ao todo, 77 colégios deveriam sofrer intenvenções. Dos R$ 23,6 milhões repassados, a Emop aplicou R$ 12,7 milhões nessas reformas. O TCU vistoriou 19 escolas, que receberam R$ 7,8 milhões dos recursos liberados através do FNDE. Em 13 delas, foi constatado que os serviços programados não haviam sido feitos.

 

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