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A bilionária contabilidade do empresário fantasma

Adir Assad, o homem que faturou 1 bilhão de reais com uma rede de empresas que não existem mas oferecem um serviço muito valioso: corrupção e financiamento clandestino de campanhas eleitorais. Entre seus clientes, estão as maiores empreiteiras do país, bancos, consórcios, consultorias, concessionárias e muitos amigos do poder...


Alana Rizzo, Daniel Pereira e Rodrigo Rangel | Veja

O empresário paulista Adir Assad é uma pessoa conhecida no ramo do entretenimento. Durante décadas, ele trabalhou na captação de patrocínios para shows e espetáculos. Por suas mãos vieram ao Brasil a banda U2 e as cantoras Amy Winehouse e Beyoncé. Nas festas e jantares estava sempre em companhia de gente famosa. Assad se acostumou aos holofotes, mas, apesar da badalação, levava uma vida típica de classe média. Essa história começou a mudar quando o empresário — que aprendeu com o pai, um mascate de origem libanesa, que o segredo do sucesso é vender bem — trocou o ramo dos eventos pelo de engenharia.

Mais especificamente, aquela engenharia perversa que garante o repasse de dinheiro, sob a forma de propina e caixa dois eleitoral, a servidores públicos e políticos corruptos. A mudança de área de atuação teve efeitos imediatos. O faturamento das empresas de Assad cresceu 574 vezes em quatro anos, ele enriqueceu e, de quebra, trocou o noticiário de celebridades pelo policial, sob a suspeita de coordenar um esquema de distribuição clandestina de recursos estimado em 1 bilhão de reais.

Formado em engenharia civil, Assad contribuiu para o fim melancólico da CPI do Cachoeira. Criada pelo PT para atacar instituições que investigaram e denunciaram o mensalão, a comissão passou a aterrorizar os políticos, inclusive os petistas, depois de VEJA revelar que a empreiteira Delta, até então a principal fornecedora da União, usava uma extensa rede de empresas-fantasma para pagar propina a servidores públicos e financiar ilegalmente campanhas eleitorais. Assad era peça vital dessa engrenagem.

Suas empresas de engenharia e terraplenagem recebiam da Delta grandes quantias, que depois eram sacadas na boca do caixa e repassadas aos beneficiários finais. Coube ao próprio dono da Delta, Fernando Cavendish, relatar esse esquema a parlamentares. Na conversa, Cavendish disse que não apenas a Delta mas companhias de diversos setores usavam o laranjal de Assad para remunerar funcionários públicos e políticos. O recado era claro. Todos, empresários e autoridades, perderiam se o esquema fosse investigado a fundo. Todos deixaram o esquema de lado. Em agosto do ano passado, VEJA mostrou que as firmas de Assad haviam recebido mais de 200 milhões de reais da Delta e de outras empreiteiras. Agora, descobre-se que o valor é muito maior.

A contabilidade das empresas de Assad revela que elas receberam 1 bilhão de reais, entre 2006 e 2013, de 134 clientes, como empreiteiras, bancos, usinas de energia, empresas de logística, incorporadoras e concessionárias de rodovias. Quase metade dos clientes (cinquenta) são empreiteiras e empresas da construção civil, que juntas desembolsaram 750 milhões de reais. A evolução do faturamento de Assad acompanha a escalada da Delta no ranking de fornecedores da União. Em 2006, as firmas do empresário faturaram 660 800 reais. Em 2010, ano de eleições gerais, 379 milhões de reais.

Delta e Assad compartilham de outras coincidências. Entre as clientes do laranjal do empresário figura a Sigma Engenharia. Trata-se daquela empresa comprada por Cavendish que contratou o mensaleiro José Dirceu como consultor. Foi justamente numa conversa com seus ex-sócios da Sigma que Cavendish contou que o segredo para abocanhar contratos públicos era pagar propina e comprar políticos. A frase é célebre: "Se eu botar 30 milhões na mão de políticos, sou convidado para coisas para "c..."".

Integrantes do Ministério Público e da Polícia Federal suspeitam que Assad seja o instrumento para botar os tais milhões na praça. Por uma simples razão. Quem contrata as empresas de Assad não espera que elas realizem serviços de engenharia e terraplanagem. Quer apenas usá-las para dificultar o rastreamento do dinheiro que sairá da iniciativa privada para os bolsos de servidores públicos, políticos e candidatos. É sintomático o fato de as firmas de Assad serem consideradas fantasmas. Parte delas tem como sede uma casa vigiada por um pitbull e um sobrado maltratado. No início, o próprio Assad aparecia como sócio de algumas firmas. Depois, foi transferindo-as para os chamados "laranjas", como os manuais da corrupção definem aqueles que emprestam o nome para esconder a identidade dos verdadeiros donos do negócio. Os escolhidos, quase sempre, eram seus funcionários e agregados, como o casal Jucilei dos Santos e Honorina Lopes. Há poucos meses, uma parte das empresas de Assad foi declarada inapta pela Receita Federal. O motivo: "localização desconhecida". Apesar do faturamento bilionário, as empresas também não têm empregados registrados e contam com o serviço dos mesmos contadores.

Atualmente, Assad banca os custos de defesa de seus laranjas. Dinheiro não deve ser problema para ele. Como operador do esquema, ele ganhava até 10% do valor da nota emitida. Ou seja: teria amealhado até 100 milhões de reais. O filho do mercador soube vender bem seus serviços e fez fortuna.
Uma ascensão patrimonial que pode ser retratada pela mudança de endereço. Hoje, Assad mora no conjunto de torres residenciais do Shopping Cidade Jardim, um dos endereços mais caros e exclusivos de São Paulo. Antes, residia num apartamento na Avenida Giovanni Gronchi, no Morumbi. Em outubro, investigadores coletaram documentos nos escritórios de Assad e de Cavendish. Na semana passada, ficaram prontos os primeiros laudos contábeis do inquérito da Delta. "É um caso muito sensível que pode respingar em muita gente poderosa", disse a VEJA um dos investigadores. E pode mesmo. No auge da CPI do Cachoeira, senadores do PT lembraram. numa reunião fechada, que Assad tinha "ramificações" no partido em São Paulo. Investigá-lo seria dar um tiro no pé. Idêntica preocupação correu outros gabinetes da Câmara.

Para impedir a apuração do laranjal, o PT tentou reforçar seu time na CPI. Ex-presidenie do partido, o deputado Ricardo Berzoini foi escalado como suplente do inexpressivo deputado Sibá Machado. O PT ainda tentou convencer o PMDB a lhe abrir vagas na CPI.

Em vão. O PMDB também estava preocupado com o governador Sérgio Cabral, amigo de Cavendish, e com o destino de deputados peemedebistas eleitos pelo Rio. "A investigação poderia respingar em todo mundo, de todos os partidos e de várias empreiteiras. A preocupação era generalizada", lembra um deputado petista. A lista de clientes de Assad justifica plenamente o arquivamento do caso no Congresso. Além de grandes empreiteiras, despontam na relação dois amigos do peito do ex-presidente Lula. Queridinha do governo passado, a JBS pagou 1 milhão de reais a uma empresa de Assad em julho de 2010, véspera da eleição. Berzoini, o reforço petista, sabia disso. Já a usina São Fernando Açúcar e Álcool desembolsou 3 milhões de reais para Assad em 2011. O dono da usina é José Carlos Bumlai, o compadre de Lula que tinha acesso livre ao Palácio do Planalto e atuava como uma espécie de tutor dos filhos do petista na área dos negócios.

Os clientes que mais pagaram a Assad não quiseram comentar o caso. O empresário rechaçou as suspeitas que pesam contra ele. A palavra final, no entanto, será dada pelas autoridades que investigam o caso, que têm boas pistas para chegar aos beneficiários do dinheiro. A engenharia financeira comandada pelo empresário não é um caso isolado no país. São variados, e multipartidários, os esquemas de pagamento de propina e financiamento ilegal de campanhas. Na semana passada, o Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar uma ação direta de inconstitucionalidade, ajuizada pela OAB, que pretende proibir a doação de empresas a partidos e candidatos. À primeira vista, o recurso é meritório, já que visa a interromper a engrenagem perversa em que agentes privados financiam os candidatos para receber em troca toda sorte de favores. A ação já conta com o voto favorável de quatro ministros. Entre eles, o presidente do STF, Joaquim Barbosa: "O poder econômico não deve mais condicionar o poder político". Barbosa tem razão. Pena que o poder econômico não deixará de ter peso decisivo no sistema político graças a uma decisão judicial. Pelo contrário, a restrição à doação legal tende a reforçar as contribuições por fora e semear o terreno para o surgimento de novos Assad. A mudança vai privilegiar duplamente o PT. Se for instaurado o financiamento público de campanha, o partido, por ter a maior bancada federal, receberá a maior pane do bolo. As demais siglas, que não dispõem do controle da máquina federal nem do portentoso esquema de publicidade institucional, disporão de menos recursos para fazer frente à hegemonia petista. Uma democracia sem oposição viável e sem perspectiva de alternância de poder é uma calamidade. O financiamento público de campanhas vai torná-la realidade.


"Eu trabalho muito"


Qual o segredo do sucesso do senhor?

Vocês já bateram muito em mim e nos meus clientes. Por que isso? Os meus clientes são todos clientes de primeira linha, clientes top, tudo gente de respeito. E eu sou um cara simples, não sou um magnata. Mas eu não posso falar. Meus advogados me orientaram a não falar, porque o caso corre em segredo de Justiça. O que eu posso dizer é que eu trabalho muito.

A acusação que pesa contra o senhor é justamente a de não ter prestado esses serviços. 


Como não? Com certeza foram prestados. Eu tenho as notas fiscais. Eu tenho essas máquinas, sim.Tenho as notas dessas máquinas, e as apresentei todas à Receita.

E cadê essas máquinas?

Estão espalhadas por aí, em obras. A cada hora tinha uma em um lugar diferente.

Clientes do senhor dizem que o dinheiro repassado para as suas empresas tinha como destino final políticos e partidos.

Isso é piada, é história. Infelizmente, eu não tenho um amigo político sequer. Não tenho nenhum político com quem eu possa tomar um café.

O empresário Fernando Cavendish disse claramente que o dinheiro que a Delta passava para o senhor ia para políticos.

É mentira. Ele falou isso para botar fogo no mercado. Eu nunca falei com Cavendish. Pode olhar nos meus extratos telefônicos. Eu posso ter falado muitas vezes com a Delta, mas com o Cavendish, não.

Por que a convocação do senhor para depor no Congresso deixou os políticos tão preocupados?

Foi filme, teatro.

Por que grande parte do dinheiro que entrava nas contas de suas empresas era sacada imediatamente?

Todos sabem que eu trabalhava também com eventos. E para trabalhar com eventos é preciso ter dinheiro em espécie.Tem de pagar garçons e seguranças, por exemplo. E a gente fez eventos grandes. Eu não sou um zé-mané.

Qual a razão de as empresas do senhor não existirem nos endereços declarados e estarem, todas, em nome de laranjas?

Elas funcionam nesses endereços por uma razão simples: estão fora da cidade de São Paulo para pagar menos impostos. Não sou só eu que faço isso. É planejamento fiscal. Grandes empresas e até bancos fazem a mesma coisa. Os impostos aqui na cidade de São Paulo são muito altos. Quanto aos sócios, são todos parceiros, funcionários meus de mais de vinte anos. Não são laranjas.

O que é um "laranja" para o senhor?

Laranjas eles seriam se fossem carpinteiros, pedreiros. Não é o caso.

As atividades do senhor hoje estão paralisadas?

Os grandes clientes foram embora. Restaram alguns poucos, pequenos. Também perdemos parceiros, empresas que subcontratávamos. A Receita Federal me aplicou um monte de multas, que eu ainda vou discutir futuramente. Hoje está tudo parado. Mas eu vou voltar, pode ter certeza.

O senhor se considera um bilionário?

(Gargalhadas) Imagina! Claro que não. Eu sou uma pessoa de vida mediana, não moro em nenhum palacete, moro numa casa pequena, tenho carro simples.

E qual a receita para conseguir tantos contratos assim?

Você deve saber que eu já fiz corrida, fiz Iron Man, faço ginástica, gosto de business e de amizades. Sou uma pessoa que vive em contato com as outras pessoas. Tenho facilidade de empatia.Trabalho com marketing de relacionamento. Eu sei lidar com pessoas. É por isso que eu cheguei aonde cheguei. Não posso mais falar. Só peço que você seja justo, seja imparcial. E se considere um abençoado por ter falado comigo.

Colaboraram Hugo Marues e Adriano Ceolim


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