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Um novo lobby para José Dirceu

Com vista da Esplanada dos Ministérios, o hotel erguido por Sérgio Naya aceitou receber o ex-ministro como gerente, por um salário de R$ 20.000,00 mensais

Murilo Ramos e Marcelo Rocha | Época


Do alto da cobertura do hotel Saint Peter, o visitante enxerga toda a Esplanada dos Ministérios - uma das vistas mais apreciadas de Brasília. Uma pequena escada leva a uma porta de madeira - onde deveria estar a maçaneta há um buraco. Pelos cantos da casa de máquinas, sujeira e equipamentos abandonados. O cenário não combina com o luxo dos outros 15 andares. Já existe solução à vista.

Dentro em pouco, um novo gerente assumirá o Saint Peter para, a partir de seu lobby, dar-lhe um choque de gestão. O advogado José Dirceu de Oliveira e Silva foi contratado na semana passada para exercer a função de segunda-feira a sexta-feira, das 8 às 17 horas. O salário: R$ 20 mil mensais. Dirceu traz no currículo passagens pela presidência do Partido dos Trabalhadores, o posto de ministro-chefe da Casa Civil (2003-2005), uma cadeira na Câmara dos Deputados e consultorias a grandes empresas.

Para assumir o novo cargo, falta apenas uma autorização da Justiça, pois Dirceu cumpre pena em regime semiaberto na penitenciária da Papuda, a 20 quilômetros dali, por ter comandado o esquema do mensalão.

O Saint Peter é um hotel quatro estrelas com 423 quartos, piscina e um andar exclusivo de suítes de alto padrão. Recebe avaliação mediana nos sites especializados em turismo. Sua história é curiosa.

Foi construído por Sérgio Naya, empreiteiro e ex-deputado federal. Em 1998, um dos prédios residenciais erguidos por Naya, o Palace II, desmoronou na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. Oito pessoas morreram e 120 famílias ficaram sem moradia por anos, devido ao uso de material inadequado na obra. Naya morreu no ostracismo, em 2009. Antes disso, em 2004, o Saint Peter foi leiloado para pagar indenizações às vítimas do Palace II. Hoje, o contrato social traz como proprietários o empresário Paulo Masci de Abreu, com 1% das ações, e a empresa offshore Truston International Inc, sediada na Cidade do Panamá, com 99%.

Até a oferta de emprego a Dirceu, Paulo Abreu era conhecido como dono de rádios e irmão de José Abreu, presidente nacional do Partido Trabalhista Nacional (PTN), legenda nanica sem representação no Congresso. Paulo Abreu é dono de mais de 30 concessões de rádios em São Paulo e no Rio Grande do Sul. Segundo o jornal Folha de S.Paulo, ele recebeu autorização da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatei) para transferir antenas de TV do interior de São Paulo para a Avenida Paulista, apesar de um parecer contrário do corpo técnico da agência. Paulo Abreu sabe como superar obstáculos da lei. Sem autorização da Anatel, ele transmitia em Brasília o sinal de uma rádio de rock clássico, sediada, no papel, na cidade goiana de Alexânia. Onde instalou a antena para repetir o sinal da rádio na capital? No terraço do hotel Saint Peter. Mesmo após a proibição da Anatel, a rádio voltou a funcionar.

Na quinta-feira, dia 28, o Saint Peter estava lotado, com delegações estrangeiras da Gymnasiade 2013, competição esportiva para adolescentes, e participantes de seminários do governo federal. "Zé Dirceu será gerente deste hotel? Você está brincando, né?", diz uma assistente social do Piauí. "Ainda vai ganhar R$ 20 mil? Vou deixar meu currículo aqui." Monossilábicos, funcionários do hotel disseram não saber de nada. O salário de R$ 20 mil oferecido a Dirceu é generoso. Gerentes administrativos do setor recebem entre R$ 8 mil e R$ 12 mil mensais. A futura chefe de Dirceu, a gerente-geral Valéria Rodrigues, recebe oficialmente pouco mais de R$ 1.800. Funcionários da Vara de Execução Penal afirmaram a ÉPOCA que dificilmente Valéria poderá fiscalizar o contrato de Dirceu, por ter salário menor que o do "subordinado". Um velho amigo de Dirceu considera um erro o emprego no Saint Peter. "Melhor seria se pedisse emprego numa banca de advogados. Pareceria mais natural e não causaria tanta polêmica."

O coordenador do Núcleo de Execução Penal da Defensoria Pública do Distrito Federal, Leonardo Moreira, só trabalha com presidiários pobres. É raro seus "clientes" arranjarem empregos rapidamente. "São poucos os empregadores dispostos a dar chances a presidiários. Há desconfiança e preconceito." O empresário Paulo Abreu está em outra sintonia. Mal José Dirceu ingressou no presídio da Papuda, há duas semanas, sua oferta já estava pronta. "A empregadora tem plena ciência e anui com as condições do empregado no sentido de cumprir a atividade laborai, seja no tocante a horário, seja por outra exigência a qualquer título", diz um trecho do pedido entregue à Justiça. A Vara de Execução Penal de Brasília analisará se o emprego no Saint Peter condiz com a condição do detento José Dirceu. Tudo deve ser resolvido até janeiro. Enquanto isso, a bagunça na casa de máquinas terá de esperar.


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