Neste ano, de seca, Ceará perdeu mais de 50% de sua produção agrícola, e 127 mil pessoas não têm o que comer, segundo o governo
KAMILA FERNANDES
DA AGÊNCIA FOLHA, EM LIMOEIRO DO NORTE (CE)
No Nordeste setentrional, onde as chuvas são esparsas e o clima predominante é o semi-árido, existem instalados, hoje, equipamentos e infra-estrutura pública para irrigação em 60 mil hectares. Mas pouco mais da metade dessa terra, 30.880 hectares, está parada, sem plantio algum, segundo o próprio órgão que a gerencia, o Dnocs (Departamento Nacional de Obras contra as Secas).
Sem irrigação, pequenos produtores só podem esperar a chuva, que nem sempre é suficiente, para o plantio de subsistência de feijão, milho e mandioca. Neste ano, de seca, a perda da produção foi de mais de 50% no Ceará, onde 152 dos 184 municípios do Estado decretaram situação de emergência pela estiagem. Pelos cálculos do governo, 127 mil pessoas não têm o que comer no Estado pela perda da safra.
As explicações para a ineficiência do uso das áreas já prontas para irrigar são várias. Para o diretor-geral do Dnocs, Elias Fernandes, em alguns casos há falta d'água e em outros há falta de interesse de agricultores ou empresários em investir, dificuldades para conseguir crédito ou mesmo problemas de gestão.
Além disso tudo, segundo agricultores ouvidos pela Folha, há também indícios de especulação imobiliária, principalmente em áreas que serão beneficiadas pelo projeto de transposição do rio São Francisco e que terão seu potencial hídrico triplicado quando a obra estiver pronta.
Ao visitar um desses perímetros do Dnocs, o Jaguaribe-Apodi, em Limoeiro do Norte (200 km de Fortaleza), a reportagem encontrou um grande contraste: largas áreas de caatinga, bem ao lado de canais cheios d'água, usados para irrigar apenas 2.800 hectares cultivados por empresas. A área total do projeto é de 5.400 hectares e há outros 9.800 para serem implementados.
Não é barato instalar uma infra-estrutura de irrigação, de acordo com relatório do Banco Mundial de 2004, intitulado "Impactos e Externalidades Sociais da Irrigação no Semi-Árido Brasileiro".
O custo médio desses empreendimentos é de US$ 10 mil por hectare, segundo o banco, mas há casos em que os custos são bem maiores, como o do Jaguaribe-Apodi, que chegou a custar US$ 15 mil por hectare e é tido como um insucesso por este estudo. Em 30 anos, o país investiu cerca de US$ 2 bilhões (R$ 3,48 bilhões) em obras de irrigação, segundo o banco.
A construção de um perímetro irrigado inclui a instalação de canais para levar a água de um reservatório às terras irrigáveis, máquinas para o seu bombeamento, estações elevatórias, equipamentos para a distribuição da água, como os pivôs (grandes máquinas que fazem a água jorrar do alto), os microaspersores e as mangueiras para gotejamento (que permitem um menor desperdício de água), além de galpões para a estocagem da produção.
Além das áreas do Dnocs, há, no Nordeste meridional, ao longo do rio São Francisco, outros 25 projetos de irrigação instalados pelo governo federal, mas pela Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba).
Dos 100 mil hectares instalados, 81.200 hectares estão sendo cultivados. Entre os motivos para não haver cultivo no restante das terras, de 18.800 hectares, segundo o diretor da área de gestão dos empreendimentos de irrigação do órgão, Raimundo Deusdará Filho, estão a troca de culturas agrícolas, questões de mercado e problemas de gestão. "Quando não é feito o uso devido da terra, acionamos o dono juridicamente."
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