Por Cláudio GRADILONE e Denize BACOCCINA | IstoÉ Dinheiro
Nos últimos dois meses, a agenda do procurador-geral do Banco Central, Isaac Ferreira, denuncia o assunto que mais tem tomado a atenção do advogado maranhense. Ele visitou pessoalmente cada um dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Não se trata de cortesia aos colegas do Judiciário. Ferreira queria mostrar aos magistrados o impacto econômico potencial de um assunto que deverá ser apreciado pelo plenário na quarta-feira, 27. Nessa data, os ministros vão julgar a validade de quatro recursos extraordinários com repercussão geral reconhecida e uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 165).
Esse jargão jurídico mascara o potencial explosivo de uma decisão que será tomada com mais de 25 anos de atraso. As petições tratam da mesma coisa: os expurgos monetários dos planos Cruzado, Bresser, Verão, Collor I e Collor II. Colocados em prática entre 1986 e 1991, todos tentaram acabar com a inflação, que superava 4.000% ao ano, manipulando os índices de correção monetária dos contratos e das aplicações financeiras. Apenas no caso do Plano Verão, decretado pelo ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega em janeiro de 1989, a diferença contra os investidores foi de 20,37%.
Na ponta do lápis, a perda para os poupadores pode superar R$ 40 bilhões, diz um advogado paulista com larga experiência em defender os bancos. A maior perda foi no Plano Collor 1, em 1990, quando a rentabilidade das cadernetas de poupança foi tungada em 44,8%. A conta foi simples. O governo agiu sempre para quebrar a espinha dorsal da indexação da economia: os índices de inflação.
Ao manipular artificialmente os índices, reduzia-se a inércia de preços. Um efeito colateral benéfico para o governo era diminuir o valor nominal de suas próprias dívidas.
Como os bancos também eram credores dos investidores, eles acabavam sendo beneficiados por tabela, o que causou a impressão incorreta de que o sistema financeiro lucrou com os planos.
Tamanhas perdas motivaram uma multidão de investidores lesados a procurar seus direitos na Justiça.
Os processados foram os bancos, com base no argumento jurídico de que, como guardiões do dinheiro dos poupadores, eles agiram contra os interesses dos clientes ao aplicar os expurgos nas cadernetas de poupança.
Não se tem notícia, no entanto, de processos de devedores dos bancos em linhas de crédito imobiliário, que foram corrigidas pelos mesmos índices expurgados da poupança - quem iria pedir aos bancos para cobrar mais? No final, ativos (créditos) e passivos (poupança) ficaram equilibrados, sem ganho financeiro para os bancos. Mesmo assim, milhares de ações sobre o assunto tramitam nos tribunais de todo o País. A decisão do Supremo, proveniente de uma ação pedida pelo Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), uniformizaria as decisões. Se o STF der ganho de causa aos poupadores, os bancos serão obrigados a indenizá-los.
Pelas contas da Fazenda, a conta pode superar R$ 149 bilhões. Se esse cálculo estiver correto, os bancos perderão quase um terço de seu patrimônio. Isso vai provocar um impacto devastador no crédito. Os bancos podem conceder empréstimos na proporção do seu patrimônio líquido. Os R$ 420 bilhões atuais no sistema permitem que os banqueiros concedam R$ 2,5 trilhões em crédito. A redução patrimonial obrigaria os bancos a diminuir o volume de empréstimos, e o mercado de crédito poderia perder até R$ 900 bilhões em financiamentos que simplesmente não seriam renovados. O Idec tem outros números.
"O gasto máximo dos bancos será de R$ 18 bilhões", diz Flavio Siqueira Júnior, advogado do Idec de São Paulo. A devastação no crédito é a base da defesa do governo. E Ferreira é apenas a ponta mais visível de uma ação que mobilizou dezenas de técnicos do Ministério da Fazenda, além de advogados da Advocacia-Geral da União (AGU), que ajudaram a organizar os argumentos jurídicos. Isso, sem contar inúmeras reuniões entre os advogados dos bancos e os dirigentes da Febraban em São Paulo e em Brasília. O assunto foi discutido pelos ministros com a presidenta Dilma Rousseff, que pediu empenho total do governo para evitar a derrota dos bancos.
Afinal, eles apenas cumpriram a lei. No entanto, essa argumentação não deverá comover o Supremo."A explicação é simples: se o STF fizer um julgamento jurídico, os bancos perdem. Se o julgamento for político, os bancos ganham", diz o advogado Joaquim Rolim Ferraz, do escritório paulista Juveniz Jr Rolim Ferraz. No STF, porém, os argumentos econômicos terão que ceder espaço ao embasamento jurídico. O Banco Central vai argumentar que os planos econômicos, bem ou mal-sucedidos, cumpriam sua função constitucional de defender a preservação do poder de compra da moeda.
O BC é um dos sete "amicus curae", partes com interesse no assunto, escalados para opinar durante o julgamento. Outros 13 vão argumentar que o expurgo foi ilegal. Com 20 advogados apenas dando suas opiniões sobre o assunto, o julgamento promete ser longo. "Temos um caso complexo pela frente", diz à DINHEIRO o ministro Dias Toffoli, relator de dois dos cinco processos. Toffoli não quis adiantar o teor de sua decisão e diz que não se impressiona com os números apresentados pelo governo. "Nossa decisão será meramente técnica", diz ele. Mas o ministro reconhece a enorme importância da sentença para o sistema financeiro.
"A decisão terá repercussão em milhares de ações espalhadas em varias instâncias", diz Toffoli.
Além do governo, os banqueiros se mobilizam, discretamente como de hábito, para influenciar a decisão do STF. As reuniões em Brasília têm sido tensas, com cada banco procurando avaliar o tamanho do prejuízo. O mais certo é que Caixa Econômica Federal e, com menor ênfase, Banco do Brasil, sofrerão as piores perdas, por serem, à época, líderes na captação da poupança. No entanto, apesar do impacto sobre o crédito, os especialistas em leis avaliam que não há risco de uma quebradeira sistêmica.
"Como todos esses planos foram decretados há mais de 20 anos, não é possível entrar com novas ações agora", diz Leonardo Augusto Andrade, sócio do escritório paulista Velloza e Girotto. "O impacto será grande, mas a decisão vai valer apenas para os processos que já estão tramitando." Ou seja, mesmo que o Supremo condene os bancos a indenizar os poupadores, não adianta mais procurar os papéis velhos da década de 1980.
"Teoricamente, apenas decisões do Plano Real, que foi decretado em 1994, poderiam ser contestadas na Justiça", diz Andrade. "Mesmo assim, o Real foi um plano que praticamente não afetou os contratos, e por isso não gerou muitas brigas."
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