Atraso e abandono de projetos de mobilidade urbana reduzem a contribuição do Mundial ao crescimento do país
Deco Bancillon | Correio Braziliense
A decisão do governo de investir o dinheiro público em estádios de futebol em vez de direcioná-lo a projetos de mobilidade urbana vai reduzir o impacto da Copa do Mundo no crescimento econômico do país. A avaliação de especialistas é de que a contribuição do evento esportivo ao Produto Interno Bruto (PIB) será menor do que se esperava inicialmente em função dos atrasos na ampliação e na reforma de aeroportos e da postergação de obras de infraestrutura, como o trem-bala, que nem sequer saiu do papel.
O Itaú Unibanco previa que o torneio aumentaria o PIB do país em 1,5 ponto percentual em um período de três anos, entre 2013 e 2015. Mas decidiu cortar a projeção para algo em torno de 1 ou 1,5 ponto, “com viés de baixa”, diz o economista Caio Megale, responsável pela avaliação. “Nossa projeção inicial estava superestimada, já que houve redução nos investimentos programados, sobretudo em projetos de infraestrutura”, explicou. Parece pouco, mas, tendo em vista o tamanho da economia brasileira, isso significa R$ 20 bilhões a menos no PIB.
O menor impacto no crescimento se deve também aos atrasos nos projetos tocados pelo setor público. Em Cuiabá, por exemplo, o principal legado da Copa é o Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), obra que custará R$ 1,4 bilhão aos cofres públicos. As previsões mais otimistas, no entanto, são de que o projeto seja entregue apenas em dezembro, seis meses após a realização dos jogos previstos para a cidade.
Outra meta frustrada é melhoria dos aeroportos, um desafio que urgente diante das dimensões continentais do país. A apenas cinco meses do início do evento, oito das 12 cidades sedes ainda não concluíram nem metade das obras de ampliação e reforma dos terminais aéreos. Em alguns lugares, como no Recife, o projeto da nova torre de controle nem sequer saiu do papel.
Sem a opção aérea, restará ao turista enfrentar estradas esburacadas e mal sinalizadas, além de percorrer grandes distâncias para acompanhar os jogos. Só o trajeto entre Porto Alegre e Manaus é de 4,4 mil quilômetros. Quem quiser percorrê-lo de carro terá de dirigir, sem parar, por quase três dias, ou 64 horas.
Dois dos aeroportos que mais vão receber turistas ainda estão em reforma e dificilmente ficarão prontos até a o início do torneio, em junho: Galeão, no Rio de Janeiro, e Confins, em Minas Gerais. Após incumbir a Empresa de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero) de tocar as obras nos dois terminais, o governo se convenceu de que seria melhor concedê-los à iniciativa privada, como já havia feito com os terminais paulistas de Guarulhos e Viracopos e com o Juscelino Kubitschek, em Brasília.
A burocracia estatal, no entanto, atrasou o andamento dos leilões, que só foram realizados em novembro do ano passado. Agora, para tentar agilizar as reformas, o governo estuda antecipar em três meses o prazo de entrega dos aeroportos às empresas vencedoras.
Investimentos
O atraso nas obras da Copa frustrou a aposta de expansão dos investimentos na economia, que deveria ser o principal efeito benéfico do torneio para o país. Esperava-se que, por aqui, acontecesse o mesmo que em outras nações que sediaram o evento. Na África do Sul, o último país sede, os gastos com infraestrutura dispararam de 4,5% para 10% do PIB nos anos anteriores aos jogos. No Brasil, conforme cálculo de economistas, a taxa de expansão foi bem mais modesta: de 1,8% para 2,3%.
Isso ocorreu porque grande parte do dinheiro público empregado nas obras serviu para erguer arenas e centros de treinamento a serem utilizados pelas seleções que disputarão o certame. “Havia a expectativa de grandes investimentos em mobilidade urbana, mas os gastos mais fortes se concentraram nos estádios de futebol. Esse tipo de obra, apesar de importante para os jogos, não tem nenhum impacto relevante de estímulo sobre a economia”, diz o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Armando Castelar.
Em 2010, o então presidente Lula disse que o Brasil realizaria “a Copa da iniciativa privada”.
Mas, desde então, o governo já gastou bilhões para viabilizar o evento. Relatórios da Controladoria-Geral da União (CGU) mostram que, de 2010 a 2013, a União empenhou R$ 7,5 bilhões apenas na construção de estádios, incluindo o que abrigará a partida de abertura, o “Itaquerão”, em São Paulo, cujas obras vão atrasar por causa de um acidente, em novembro. O montante não considera as obras tocadas por governos regionais, como o Estádio Nacional de Brasília Mané Garrincha, bancado pelo Governo do Distrito Federal a um custo que pode ir a R$ 1,8 bilhão.
Os gastos bilionários, entretanto, pouco contribuirão para estimular o crescimento da economia, diferentemente do que se viu em outros países. O PIB sul-africano, por exemplo, que havia caído 1,5% em 2009, cresceu 3,1% no ano do torneio e avançou 2,1% em 2011. Vale lembrar que o período foi marcado pela crise mundial.
“Não foi só assistindo à TV que o PIB melhorou durante a Copa, na África do Sul”, observa Armando Castelar. “Diretamente, o impacto econômico da Copa não é tão grande, mas, certamente, é maior nos países que conseguem aproveitar o evento para desengavetar projetos de desenvolvimento, como a ampliação de estradas, portos e aeroportos.”
Mesmo em países ricos, que tiveram de fazer menos investimentos em infraestrutura, o efeito da Copa sobre o PIB foi positivo, como na Espanha, em 1982. Um ano antes do torneio, a economia havia encolhido 0,4%. No ano dos jogos, houve incremento de 1,2%, e em 1983, de 1,7%.
O mesmo aconteceu com a Alemanha, que sediou o mundial em 2006. A economia cresceu 0,8% em 2005, 3,9% no ano dos jogos e 3,4% em 2007. No Brasil, o cenário é diferente. Em 2013, segundo cálculos do Itaú, o PIB deve ter crescido 2,2%. Neste ano, mesmo com a Copa, a estimativa do banco é de que a economia desacelere, com uma alta de apenas 1,9%. Para 2015, a projeção é de expansão de 2,2%.
“Previsões”
Em nota, o Ministério do Esporte diz que os reflexos econômicos da Copa do Mundo na economia só serão conhecidos após a realização da disputa. “Até esse momento, todas as avaliações resultam de previsões”, argumentou o órgão, em nota. A pasta também rebate as críticas de que os atrasos e as postergações de investimentos tenham afetado o impacto econômico do mundial. “Não é verdadeira a afirmação de que o governo abandonou projetos de infraestrutura”, diz o texto.
O ministério também encaminhou ao Correio um estudo feito há quatro anos pela consultoria Ernst&Young que projetava em R$ 142,39 bilhões o impacto dos jogos na economia nacional, entre 2010 e 2014. Por fim, a nota afirma que a Copa do Mundo é “uma oportunidade para alavancar investimentos em infraestrutura que vão beneficiar a população”. “São obras em mobilidade urbana, aeroportos, portos, telecomunicações, segurança e turismo”.
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