Witzel já ensinou a magistrados artifício para acumular indevidamente benefícios no salário
Lucas Vettorazzo e Italo Nogueira | Folha de S.Paulo
O candidato do PSC ao governo do Estado do Rio, Wilson Witzel, foi um dos organizadores de evento em 2010 que ficou conhecido como a "farra dos juízes federais".
Wilson Witzel (PSC) | Foto: Divulgação/Redes Sociais |
O evento, ocorrido em resort de luxo em Comandatuba, sul da Bahia, foi patrocinado por estatais como Caixa, Banco do Brasil e Eletrobras, além de empresas privadas como Souza Cruz.
O encontro foi criticado por parte da magistratura, que entendeu que o evento subsidiado poderia colocar em risco a autonomia de futuras decisões, além de ferir a Emenda Constitucional nº 45, que veda aos juízes receber auxílios ou contribuições de pessoas físicas ou de empresas.
Uma das opções apresentadas pelos críticos à época seria realizar o evento em auditório da escola de magistratura, e não em um resort de luxo pago por patrocinadores privados. Na ocasião, cada juiz pagou R$ 750 para participar do evento de quatro dias no resort cujas diárias giravam entre R$ 900 a R$ 4 mil. Juntos, Caixa e Banco do Brasil investiram R$ 380 mil no evento para 700 pessoas.
O encontro, que teve quatro palestras, assembleia geral, oficinas de golfe, arco e flecha, jantares e shows, foi tratado pelos juízes federais participantes como "0800", em referência às chamadas telefônicas gratuitas no país.
Witzel esteve envolvido na realização do evento, quando integrava a diretoria da Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil).
Em vídeo por ocasião de sua tentativa de eleição à presidência da Ajuferjes (Associação dos Juízes Federais do Rio e Espírito Santo), em 2012, Witzel afirmou que o encontro em Comandatuba foi o "melhor evento da história da Ajufe".
No vídeo, ele defende equiparação salarial entre juízes federais com os vencimentos dos juízes estaduais e procuradores, por meio da incorporação de benefícios, como a indenização de férias. Procurado, Witzel ainda não respondeu aos questionamentos sobre o assunto enviados para sua assessoria de imprensa.
Antes desconhecido do grande público do Rio, Witzel foi ativo na política da magistratura. Ele teve crescimento vertiginoso em sua campanha ao se colocar como o candidato do presidenciável Jair Bolsonaro (PSL) ao governo do Rio.
Ele obteve 41,28% dos votos no primeiro turno, contra 19,56% de seu adversário Eduardo Paes (DEM).
O ex-juiz federal, que abriu mão do cargo para tentar a eleição, passou pela primeira vez por escrutínio público. Diversos vídeos surgiram de sua atuação política como juiz.
No último sábado (13), o jornal O Globo divulgou vídeo em que o candidato ensina, em palestra ocorrida em janeiro deste ano com juízes do trabalho, forma de acumular indevidamente benefícios no salário.
Durante palestra em evento da Funpresp (Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal) organizado pela Ajutra (Associação dos Juízes do Trabalho), Witzel explicou como faz para acumular mais R$ 4 mil ao seu salário.
O benefício passa pelo acúmulo de função dos juízes em varas em que não há juiz substituto.
Witzel explicou que "expulsa" seu substituto de propósito para acumular a gratificação, conhecida como "gratificação de acúmulo".
Ele diz que pressiona o juiz substituto para se ausentar, por pelo menos 15 dias todo mês, a fim de receber o benefício previsto para juízes que acumulam funções dentro da magistratura.
"Os juízes hoje estão recebendo auxílio moradia, auxílio alimentação, e a gratificação de acúmulo, que, na Justiça do Trabalho, eu sei que é muito mais difícil de receber, mas, na Justiça Federal, praticamente todos os juízes recebem. A gratificação de acúmulo, que é de quatro mil reais. Eu recebo, expulsei o juiz substituto da minha Vara, disse 'Ô, negão, ou você vai viajar lá pra ficar um ano fora, ou eu vou te expulsar da Vara'. Brincadeira, adoro meu juiz substituto. Mas, se ele ficar, eu não recebo. Aí a gente fez uma engenharia. Todo mês, 15 dias por mês, o juiz substituto sai da vara", disse ele, em fala registrada em vídeo que foi deletado do Youtube.
Na mesma palestra, Witzel disse que colaborava com o Instituto Teotônio Vilela, do PSDB, e que naquele momento previa que o vencedor da eleição deste ano seria o tucano Geraldo Alckmin, que ficou, contudo, de fora do segundo turno, tendo obtido apenas 4,76% dos votos válidos.
Em agenda de campanha nesta segunda (15), na Tijuca, zona norte do Rio, Witzel negou que o recebimento da gratificação seria irregular.
Segundo ele, a gratificação de acúmulo foi criada por lei, aprovada pelo TCU (Tribunal de Contas da União), pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e pelos tribunais federais.
Ele explicou que ela foi criada para fazer frente a grande quantidade de vagas ociosas em varas federais pelo país, devido principal ao déficit de concursados no segmento.
Witzel, que disse que a reportagem apresentou a informação de forma maldosa, não explicou, contudo, o motivo de fazer a "engenharia" para garantir o ganho do benefício. "Todos os juízes que recebem gratificação, recebem por força de lei". "Não há qualquer arbitrariedade, nenhuma falcatrua, como maldosamente foi colocado", disse.
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