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A pilantrocracia e a mudez da sociedade

Ucho Haddad - InfoRel

Entender o que acontece no Brasil no âmbito político exige paciência, tempo e doses extras de devaneio.

Pode parecer deboche deste troca-letras, mas o fato é que a complexidade criada por aqueles que insistem em esconder a verdade é tão grande, que só mesmo perdendo a razão é que se compreende o que aí está.

Depois de uma avalanche de escândalos de corrupção, os quais o presidente Lula da Silva alegou desconhecer, a redenção da sociedade estava depositada na cassação de Renan Calheiros, acusado, entre outras coisas, de pagar as despesas de uma filha fora do casamento com dinheiro de conhecida e atuante empreiteira.

Fazendo ouvidos moucos, quarenta e um senadores simplesmente mandaram às favas os eleitores, fazendo prevalecer o corporativismo criminoso que há décadas emoldura o parlamento nacional.

Não se trata de uma lamúria midiática a mais, no meio de tantas, mas apenas um relato do que aconteceu na absolvição do presidente do Senado.

Quando a Câmara Alta decidiu pela sessão fechada, e voto idem, cumpriu-se o regimento interno da Casa parlamentar. A população pode ter chiado, e assim continua até hoje, mas vale o dito popular do “o que é combinado não é caro”. E assim estava combinado.

Por outro lado, alguém – aqui entendo que são algumas dezenas de milhões de brasileiros – vai dizer que não foi justo. Mas quem disse que no Congresso Nacional se faz justiça?

Longe de serem Casas de representação popular, Câmara e Senado são, na verdade, clubes privados de negócios bisonhos. É fato que alguns se salvam nesses vagalhões de lama que açoitam a política brasileira, mas são poucos, muito poucos.

Fizessem justiça, nossos políticos se contentariam com um salário mínimo e com o modorrento atendimento médico oferecido pelo SUS. Mas não. São nababos, regiamente pagos, que escolhem os melhores hospitais do País para solucionar seus males.

Quando as campanhas eleitorais batem na telinha de nossa televisão, nenhum de nós é capaz de lembrar em quem votou na última eleição. Isso acontece com uma avassaladora maioria.

E como cobrar alguma coisa de alguém se milhões de brasileiros esqueceram em quem votaram? Mudar as regras do jogo à porta do julgamento de Renan Calheiros seria um casuísmo barato, que permitiria ao alagoano um sem fim de contestações jurídicas em caso de cassação.

De nada adiantam manifestações remotas ou cibernéticas contra o pífio espetáculo que teve lugar no plenário do Senado na última quarta-feira, 12 de setembro, pois políticos só ouvem aquilo que lhes interessa.

E como críticas têm uma freqüência sonora que a audição de nossos diletos (sic) representantes não alcança, de nada adianta reclamar do jeito que o Brasil vem fazendo.

Muito se fala sobre o banditismo político que há décadas toma conta do Planalto Central, mas de concreto a sociedade nada faz para extirpar essa “maracutaia” institucionalizada.

Na maioria das vezes, o cidadão só reclama depois da consumação do escândalo. De tal modo, sairia muito mais barato deixar de lado o direito à cidadania, não votar e pagar uma multa de no máximo R$ 5 no Cartório Eleitoral mais próximo.

Em outras palavras, o Brasil gastaria, quando muito, R$ 100 milhões para aplicar uma lição nesses Irmãos Metralha com mandato.

Diferentemente disso, o brasileiro vai às urnas sem entender as razões que levam um cidadão a se candidatar. Não considerando que verdadeiras legiões de brasileiros são analfabetas no tocante à aritmética – ou fazem contas com a velocidade de um jabuti – lanço um desafio que, em tese, é inexplicável.

Nas regiões sul e sudeste do País, por exemplo, um candidato a deputado federal gasta em média, no prazo de noventa dias, R$ 1,5 milhão para se eleger.

Como compensação, o eleito irá receber pouco mais de R$ 800 mil brutos em quatro anos. Traduzindo, não há especialista em matemática que explique tamanha aberração.

De tal maneira, fica absolutamente claro que grupelhos acostumados a vilipendiar a pátria financiam campanhas para garantir compensações futuras. E se o valor pago for menor do que um pedido qualquer, uma fatura extra será espetada na conta de alguém.

Eis a regra do jogo que impera na política brasileira. O eleitor acha que vive em uma democracia, enquanto o eleito tem a certeza de que é um homem de negócios, muitos e milionários negócios.

Com base nessa inexplicável tese aritmética é que se tornam compreensíveis as declarações dos senadores Renan Calheiros e Almeida Lima, logo após a proclamação do resultado que garantiu ao alagoano continuar no Senado por mais algum tempo. Informado da sua absolvição, Calheiros disse que a vitória foi da democracia.

Ora, até aonde se sabe, democracia é o modelo político-governamental cujo poder emana do povo. Mas nessa fórmula eleitoral, o povo entra apenas como agente passivo, pois, afinal, nenhum vintém lhe escapa do bolso na direção das rechonchudas carteiras dos candidatos.

O que nos leva a concluir que, contrariamente ao que pensávamos, democracia é o modelo político cujo poder emana daqueles que pagam, e muito bem.

Já o senador Almeida Lima, integrante da tropa de choque de Renan Calheiros que diz ser um cavaleiro da verdade e da justiça, afirmou que o Senado não pode se render à pressão popular.

O sergipano Almeida Lima está com a razão, pois o povo, que deveria pressionar diuturnamente por seus direitos, sequer sabe em quem votou. E nessa pasmaceira conveniente, os políticos se sentem à vontade para selar os mais espúrios conchavos.

Se absolvição de Renan Calheiros patrocinou a indignação da sociedade, aos que conhecem os meandros da política não causou espanto algum. Muito antes de ser um julgamento político, a sessão do último dia 12 foi um escambo.

O silêncio de um pelos votos de algumas dezenas. Aloízio Mercadante, por exemplo, senador eleito com os votos de mais de dez milhões de paulistas, esqueceu os números das urnas e pagou a fatura cobrada pelo Palácio do Planalto.

Um dos personagens do episódio do Dossiê Cuiabá, Mercadante caiu no “black book” da horda “luliana”.

De mais a mais, como a tropa de choque de Renan tinha muito mais informações sobre as estripulias petistas do que os próprios envolvidos imaginavam, salvar Renan Calheiros foi a forma encontrada para manter a sujeira debaixo da alcatifa presidencial.

Quando o deputado Ricardo Berzoini, presidente nacional do PT, sugeriu, semanas atrás, a extinção do Senado, estava selada a absolvição de Renan Calheiros.

O anúncio foi uma espécie de senha para compreender que o Palácio do Planalto apostaria todas as suas fichas na absolvição do aliado, o mesmo que os palacianos agora querem ejetá-lo da presidência do Congresso. Quanto mais complexa é a sujeira política, mais a sociedade se afasta do mínimo entendimento do que é o sistema político.

E por essa complexidade extra que a absolvição de Renan trouxe à tona, um golpe branco contra a Câmara Alta brasileira não está descartado.

Tudo isso faz parte de um plano diabólico que vai culminar com o projeto de um novo mandato para Lula. O presidente-metalúrgico invoca a Constituição Federal para negar tal possibilidade, mas nos bastidores o plano está em marcha.

Anular o Senado, onde a oposição é maioria, é a saída ideal para quem quer atropelar a legislação e se perpetuar no poder.

Muitas vezes muda diante dos quase infindáveis escândalos de corrupção, a sociedade nem de longe conhece o estrito significado do vernáculo que a rotula. Sob a ótica do Direito, sociedade é “um grupo de pessoas que, por contrato, se obrigam mutuamente a combinar seus recursos para alcançar fins comuns”.

E por enquanto, o fim comum dessa sociedade de 190 milhões de brasileiros é, ao que parece, financiar calada a “pilantrocracia” que aí está.

Ucho Haddad, 47, é jornalista investigativo, colunista político, poeta e escritor. Editor do www.ucho.info, é articulista do site do jornalista esportivo Wanderley Nogueira [www.wanderleynogueira.com.br], do ABC Digital [www.digitalabc.com.br] e do Sanatório da Imprensa [www.sanatoriodaimprensa.com.br].
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About Luiz Maia

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