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Nem ordem nem progresso

Conflito em Roraima e invasões do MST expõem a fragilidade institucional do Brasil distante



GUSTAVO GANTOIS

A Bandeira Nacional prega “Ordem e Progresso”, mas há regiões do País em que a mensagem não é ouvida. Na semana passada, o governo enviou 500 policiais federais a Roraima, com uma missão de guerra: expulsar produtores que plantam arroz na reserva indígena Reserva Raposa Serra do Sol. Ao mesmo tempo, Brasília fechou os olhos para a nova onda de violência do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, o MST, que deflagrou o “Abril Vermelho”, atacando empresas como Aracruz Celulose e Vale – as duas foram alvo de invasões na segunda-feira 7. “O presidente Lula é mal assessorado nesses assuntos”, disse à DINHEIRO o governador José de Anchieta Júnior, de Roraima. “Não podemos sacrificar direitos dos índios em nome do desenvolvimento econômico, mas também não podemos ignorar o progresso.” Note-se que, nessa história, os rizicultores têm o apoio até de grande parte da população indígena, que promete resistir à ofensiva da PF. Roraima é hoje um barril de pólvora, com produtores e índios armados até com bombas caseiras – e prontos para a guerra.

No extremo norte do País, o Estado é uma grande fronteira agrícola e produz 160 mil toneladas de arroz, que representam 6% do PIB local, de R$ 2 bilhões.

Pode parecer pouco, mas para uma região em que 70% do território é demarcado como área indígena ou fica localizado em zonas de preservação ambiental, a atividade garante o sustento de muita gente. Com a ação da PF, que foi adiada para a segunda-feira 14, dois mil empregos podem ser eliminados. Além disso, 17 mil quilômetros quadrados deixariam de pertencer ao Estado. “A homologação dessa reserva era para ter sido feita em ilhas, e não em área contínua”, avalia Paulo César Quartiero, líder dos rizicultores. “Do jeito que está, haverá mais de 10 mil metros quadrados para cada um dos 15 mil índios na região.” Ironicamente, serão eles os donos de grandes latifúndios improdutivos na região.

O nó desse caso é que também há índios contrários à demarcação. Além disso, DINHEIRO também apurou que o Exército foi consultado para operar na desocupação da área, mas o comandante Enzo Peri chegou a informar pessoalmente ao presidente Lula que a retirada da população local desagrada às Forças Armadas. É um problema de soberania nacional, dizem os militares, que acham que a demarcação em área contínua quebra a linha de controle que eles exercem na região, abrindo um vazio demográfico de mais de 100 milhões de hectares – unindo Raposa Serra do Sol à Reserva Ianomâmi numa extensão de 100 mil quilômetros quadrados.
Reserva indígena, rica em minérios, superaria Espanha e Portugal juntos
Os militares avaliam que o episódio abre caminho para a decretação de uma nação indígena independente, com interferência de ONGs estrangeiras. “O Brasil é o único signatário da resolução da ONU prevendo a formação de nações indígenas”, explica o coronel Gélio Fregapani, ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência na região. “As gerações futuras vão perder 56% do território nacional.”
E o que não falta são interessados no que se esconde no subsolo. A área demarcada está entre as mais ricas do mundo em reservas minerais, com a presença de minérios nobres e estratégicos, como diamante, zinco, ouro, caulim, ametista, calcário, nióbio e até urânio. Coincidentemente, a presença de organismos internacionais na região é tão abundante quanto os minerais. A ONG Rain Forest Foundation, por exemplo, chegou a denunciar o governo brasileiro à Organização dos Estados Americanos por supostos “maus-tratos” aos índios de Roraima. Tais maus-tratos jamais foram provados e chega a ser curioso que o mesmo governo agora ofereça um território aos índios que, somado, é maior que Portugal e Espanha. “A homologação é um convite ao narcotráfico, ao contrabando, ao garimpo e à biopirataria”, diz Salomão Cruz, ex-vice-governador de Roraima.
O ministro da Justiça, Tarso Genro, alega que enviou policiais federais a Roraima para cumprir ordens judicias. Mas, se é assim, por que o governo não age nas ações de reintegração de posse movidas contra os Sem-Terra? Desde o início do ano, o MST já promoveu 15 invasões. A última delas, na segunda-feira 7, foi contra uma fazenda da Aracruz em Teixeira de Freitas, na Bahia. No mesmo dia, mais de 1,5 mil manifestantes se mobilizaram perto da ferrovia de Carajás, da Vale, prometendo voltar à recorrente novela que assola a mineradora desde outubro. A Vale, inclusive, foi eleita pelo MST como o grande inimigo, especialmente após a empresa ter conseguido na Justiça uma liminar proibindo o movimento de praticar atos violentos contra suas instalações, em especial a ferrovia, por onde passam 55 milhões de toneladas por ano de minério. Sentindo-se afrontado, João Pedro Stédile, líder do MST, afirmou que não respeitaria a decisão judicial nem conversaria com intermediários do governo. O mesmo governo que ataca quem produz e passa a mão na cabeça de quem destrói.

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