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O esquema do poder

Promiscuidade entre público e privado ameaça reconfigurar o Estado brasileiro num sistema fechado de difícil controle


EDITORIAL

DE ALOPRADOS a "fichas-sujas", de tucanos a compadres petistas, de ex-ministros a ex-pefelistas, é espantosa a relação das figuras que têm ou tiveram contato com o banqueiro Daniel Dantas, cujas atividades começam a se expor com mais clareza ao conhecimento público.

A impressão de um gigantesco poder de influência, concentrado nas mãos de uma pessoa, não esmaece diante do fato de que resistências e conflitos se opuseram no Executivo aos interesses do dono do Opportunity. Dada a dimensão das disputas comerciais em que Dantas esteve envolvido, também pesa sobre seus adversários políticos a suspeita de estarem a serviço, não do interesse público, mas de rivais financeiros poderosos.

Em plena Guerra Fria, o então presidente americano Dwight Eisenhower alertou para a existência de um "complexo industrial-militar", cuja influência econômica sobre as instituições ameaçava minar os próprios fundamentos da democracia.

É o caso de perguntar se, a partir das privatizações no governo FHC, e com mais intensidade no governo Lula, não se constituiu uma espécie de "complexo político-financeiro", capaz de organizar interesses complexos e práticas escusas com notável independência em relação a pressões e demandas da sociedade.

Empresas de grande porte, ainda estatais ou recém-privatizadas, têm enorme autonomia para realizar contratos com áreas de interesse político. Agências de publicidade, por exemplo, atuam, a peso de ouro, em campanhas eleitorais. Advogados, sócios, familiares e amigos de parlamentares e governantes beneficiam-se, por sua vez, de relações com essas empresas.

O Estado, encarregado de regulamentar a atuação desses setores, repetidas vezes dá mostras de flexibilizar leis já existentes conforme a pressão que recebe. Casos como o da venda da Varig e o da fusão entre Oi e Brasil Telecom são os exemplos mais claros desse processo.

Os interesses de grandes financistas individuais rivalizam com os de poderosos fundos de pensão, controlados pela burocracia sindical. Esta se vê especialmente favorecida no governo Lula, que determinou o repasse automático de uma porcentagem dos vencimentos de cada assalariado brasileiro às centrais sindicais.

Cria-se, desse modo, um sistema fechado em si, opaco à vigilância e à intervenção dos cidadãos. Instituições públicas, como o BNDES, privadas, como as empresas de telecomunicação, paraestatais, como as centrais de trabalhadores e os fundos de pensão, formam um dos pólos do esquema, que tem em ocupantes do Legislativo e do Executivo o outro núcleo de beneficiários.

O poder econômico e político se concentra enormemente, na medida mesma em que o vulto dos investimentos e o grau de dinamismo empresarial do país se aceleram a olhos vistos.

Não é obrigatório nem inevitável que as coisas sejam assim. A sociedade civil conta, por exemplo, com mecanismos de transparência e discussão pública mais fortes e ágeis do que nunca.

As investigações sobre as atividades de Dantas mal começam. A complexidade do caso constitui apenas o subcapítulo de toda uma reconfiguração das relações entre o público e o privado que, fundada na intransparência e na promiscuidade de interesses, é imperativo combater.
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