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Bolsa Família sustenta novo voto de cabresto no Nordeste

Candidatos ameaçam tirar o benefício de eleitores que pretendem votar na oposição

Folha encontrou casos de uso eleitoral do programa no Ceará e no Piauí e ouviu denúncias no Rio Grande do Norte, na Paraíba e na Bahia



EDUARDO SCOLESE
ENVIADO ESPECIAL AO NORDESTE

Principal programa social do país, o Bolsa Família tem sido utilizado nesta campanha municipal como uma nova modalidade de cabresto eleitoral.

Candidatos a prefeito e a vereador usam o programa federal de transferência de renda (cuja base de dados para a seleção dos beneficiários é controlada pelos municípios) tanto para agradar ao eleitor, oferecendo-lhe um cartão de beneficiário em troca do voto, como para ameaçá-lo, condicionando sua permanência no programa à vitória de um dado político.

Neste ano, o governo reajustou em 8% o valor do benefício, anunciou um programa de qualificação de profissionais específico aos beneficiários e estendeu o benefício a jovens de 16 e 17 anos -iniciativas tidas como eleitoreiras pela oposição.

À época do reajuste, o TSE disse que a medida poderia ser contestada no tribunal, mas até hoje ela não o foi. Ao contrário, a oposição também exalta o programa na campanha.As eleições deste ano são, na prática, a primeira grande experiência municipal do uso do Bolsa Família para arregimentar votos. Em 2004, o programa ainda tomava corpo, beneficiando 4,5 milhões de famílias. Hoje são 10,8 milhões de famílias contempladas, que recebem entre R$ 20 e R$ 182.

Nas últimas três semanas, a Folha encontrou casos de uso eleitoral do programa no interior de Ceará e Piauí e ouviu denúncias informais em Paraíba, Bahia e Rio Grande do Norte.

Promotores dizem que o principal obstáculo à fiscalização é o medo dos eleitores de serem perseguidos após a denúncia.

Em Pedro Laurentino (PI), o candidato à reeleição, Gilson Rodrigues (PTB), encaixou no programa famílias de cidades vizinhas. Em troca, a condição que transferissem títulos eleitorais para Pedro Laurentino.

"Antes da eleição [de 2004, quando Rodrigues foi eleito] chegaram pra mim e falaram: "Transfere o título pra lá [Pedro Laurentino] e a gente dá um jeito de colocar você no cadastro'", disse Luciene Rodrigues, 28, que vive com o filho Walison, 7, em Socorro do Piauí.

Outro morador do município que recebe o Bolsa Família pela cota de Pedro Laurentino é Luiz Gonzaga Pires, 50. "[Em 2004] transferi o título e lá, depois, o prefeito [Rodrigues] ajeitou um Bolsa aí pra gente."

O prefeito e candidato à reeleição alega um "problema de regularização fundiária". Segundo ele, há cerca de 300 famílias que, por viverem próximas à divisa com outros municípios, votam e recebem o Bolsa Família em Pedro Laurentino, mas são contados pelo IBGE como habitantes de outras cidades. A Folha, porém, encontrou famílias com essa particularidade não apenas nos limites dos municípios: algumas delas vivem num bairro pobre no centro de São João do Piauí, a 50 km de Pedro Laurentino.

Outro uso do Bolsa Família na eleição ocorreu em Acopiara (CE). Enquanto respondia a uma pesquisa encomendada pela campanha do prefeito, Antonio Almeida (PTB), Maria Aparecida Pereira, 51, foi surpreendida com uma pergunta sobre o Bolsa Família. A Folha teve acesso ao questionário.

"A senhora ou alguém que mora na sua casa recebe o Bolsa Família?", quis saber o pesquisador. "Sim, eu recebo", respondeu Maria Aparecida. Na seqüência, duas perguntas sobre eleição. Em quem votará para vereador e para prefeito.

"Quando eu disse que votaria no Vilmar [adversário do prefeito], ele perguntou se eu não tinha medo de perder o benefício", diz a dona-de-casa, que completa: "Fiquei com muito medo de perder".

Mãe de seis filhos, ela saiu gritando pela rua, e o caso foi parar na Promotoria eleitoral, que abriu investigação. O prefeito nega a prática e diz que a denúncia é uma tentativa do adversário para prejudicá-lo.

Em Aroeiras do Itaim (PI), um lavrador procurou o Ministério Público para denunciar a responsável da prefeitura pelo Cadastro Único, licenciada do cargo para concorrer à vereadora, de tirar-lhe o benefício se não votasse nela. "Do jeito que eu dou o cartão [do Bolsa Família], eu também retiro", disse a candidata, segundo relato do lavrador aos promotores.

Em cidade do PI, programa atende 87% da população

DO ENVIADO A PEDRO LAURENTINO (PI)

Em Pedro Laurentino (PI), onde a prefeitura é a principal geradora de empregos, os números reforçam as acusações de irregularidade no uso do Bolsa Família. Há mais eleitores (2.472) do que habitantes (2.105), e 510 famílias recebem o benefício na cota da cidade -são 1.836 pessoas, ou 87% da população. Segundo o Ministério do Desenvolvimento Social, é a maior proporção do país.

O número de vagas por município é definido pelo ministério, com base em estimativa de pessoas pobres. O município cadastra as famílias, e o governo federal concede o benefício.

Com a cota de beneficiários inchada por pessoas de municípios vizinhos, moradores pobres de Pedro Laurentino não conseguem mais acessar o Bolsa Família. Responsável pelo Cadastro Único local, a primeira-dama Cássia Rodrigues admite haver de 200 a 300 famílias fora do programa.

Um dos casos é o do casal Jonas, 24, e Maria Deusa de Sá, 23, recém-chegado de um período de quatro anos de trabalho em São Paulo.

"Já fiz o meu cadastro na prefeitura, mas dizem que ainda não chegou a minha vez. Estou esperando", afirma Maria Deusa, mãe de Marcos, 4, e Nicolas, de seis meses.

Além do prefeito Gilson Rodrigues (PTB), que concorre à reeleição, o outro candidato à Prefeitura de Pedro Laurentino é Edison Leite (DEM). (ES)
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