No seu 20º aniversário, hoje, são grandes as ameaças contra todos os avanços que ela trouxe, diz o professor
Gabriel Manzano Filho
Enquanto muita gente faz festa para os 20 anos da Constituição, comemorados hoje (07/10), o professor de Economia Eduardo Fagnani, da Unicamp, prefere fazer um alerta: “Aquele foi um grande momento. A Constituição trouxe grandes avanços, ela é um marco civilizatório na história do País. Mas vive no fio da navalha, permanentemente ameaçada pelos que querem eliminar as garantias sociais.”
A frase diz tudo: Fagnani é um adversário declarado do neoliberalismo. Para ele, a Constituição brasileira “nasceu na contramão do mundo, em 1988. A agenda do País era a da redemocratização, enquanto a do mundo lá fora era a do neoliberalismo, do Estado mínimo. Isso gerou uma tensão que nunca se resolveu. O desafio maior que temos pela frente é a manutenção daqueles avanços conquistados.”
Entre preocupado e esperançoso, o professor - que fez sua tese de doutorado investigando políticas sociais das quatro décadas entre os anos 70 e 2002 - coordena a partir de amanhã, na Unicamp, o seminário A Luta pelos Direitos Sociais - 20 anos da Constituição Cidadã. É uma promoção com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com debates nas duas universidades. Na Unicamp, desta segunda-feira até a quinta, dia 9. Na UFRJ, entre os dias 20 e 22 de outubro. Nesta entrevista ao Estado, ele explica: “Queremos uma reflexão partida dos próprios atores da época.”
Os outros fazem festa para a Constituição e o sr. se diz preocupado. Por quê?
Porque nossa Constituição nasceu na contramão do mundo. Quando o Congresso a aprovou, já corria forte lá fora a onda neoliberal, puxada por Ronald Reagan e Margaret Thatcher. Caía o Muro de Berlim, acabava a bipolaridade. Mas o Brasil estava saindo de uma Ditadura militar, sua agenda era a da redemocratização. Lá fora era o Estado mínimo e aqui dentro se buscava uma rede de proteção social para os pobres.
E no que deu essa diferença?
Ela criou uma tensão que marcou estes 20 anos. As forças liberais, principalmente nos anos 90, pressionaram por mudanças. Desde então, as garantias e avanços de 88 enfrentam ameaças. A Constituição vive no fio da navalha, permanentemente ameaçada pelos que querem eliminar os avanços.
O sr. se refere às críticas de que ela dá direitos demais e o Estado não tem como cumpri-los?
Sim, a agenda neoliberal chegou numa onda avassaladora, com a idéia de que a capacidade da economia não dava para garantir todas as conquistas. Isso não é verdade. O problema é que as opções macroeconômicas, a partir de então, levaram a uma estagnação da economia e isso desorganizou o mercado de trabalho.
Muitos dizem que o problema da Constituição é que ela não é cumprida. O sr. pensa assim?
Acho que a maior parte das conquistas é cumprida. O Estado Democrático de Direito, a idéia de cidadania. Na lei trabalhista, o direito de greve, a redução da jornada de trabalho, a autonomia sindical, a licença-maternidade. Na Previdência vários avanços, a Previdência Rural. E a noção de nacionalismo, com a defesa dos recursos naturais, entre tantas coisas.
Houve em 88 uma batalha entre a esquerda e o centrão. Pelos avanços que o sr. menciona, a esquerda venceu?
Acho que sim, ela ganhou em quase tudo. Só perdeu na questão da reforma agrária e da definição do uso da terra.
Vinte anos passados, qual o balanço e quais os próximos passos?
O balanço é que a Constituição trouxe um notável avanço mas é preciso conscientizar as pessoas a defendê-lo, principalmente os jovens, que não viveram aquele período e não sabem de sua importância. Hoje a economia está crescendo, vai tudo bem. Mas se aparecer alguma tensão na economia, a primeira coisa que tentarão fazer é uma reforma que altere as coisas e reduza esses direitos. O desafio maior é preservar o que se alcançou.
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