Integrantes da Comissão de Mortos e Desaparecidos afirmam que renunciarão caso a AGU mantenha a contestação do processo aberto pelo Ministério Público contra coronéis da reserva acusados de tortura
Leonel Rocha
Da equipe do Correio
O passado ameaça criar uma nova crise política no governo. Um parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) contestando a procedência da ação movida pelo Ministério Público Federal contra coronéis da reserva do Exército, acusados pelos procuradores de tortura, pode provocar a renúncia coletiva da Comissão de Mortos e Desaparecidos do governo. A proposta de abandonar o trabalho de identificação de vítimas da ditadura militar será discutida hoje em reunião extraordinária da comissão. “O parecer da AGU desautoriza o trabalho de anos feito pela comissão. Todos os reconhecimentos legais das vítimas da ditadura e a decisão de indenizá-las estariam sendo questionados”, protesta Agustino Veit, advogado e representante da Comissão de Direitos Humanos da Câmara no colegiado.
A proposta de renúncia coletiva dos sete membros da comissão, segundo Veit, será feita em solidariedade ao ministro-chefe da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Paulo Vannucci, que ameaçou deixar o governo se a AGU mantivesse a contestação à denúncia dos procuradores. Parente de antigos militantes de esquerda, Vannucci chegou a negociar com o chefe da AGU, José Antônio Tófoli, que a instituição participaria da ação como auxiliar do MPF para reforçar a denúncia, e não para contestar a denúncia dos procuradores.
Entre os denunciados, está o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, que na década de 1970 comandou o Destacamento de Operações de Informações–Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) de São Paulo. O local era considerado o principal núcleo dos horrores da ditadura. A crise envolvendo casos de tortura é mais um capítulo na briga no governo sobre a interpretação da lei de anistia. O ministro da Justiça, Tarso Genro, se alinha ao colega Vannucci e também defende que os torturadores identificados sejam punidos porque cometeram crimes imprescritíveis. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva já revelou a auxiliares que não quer remexer no tema.
O MPF entrou com ação na 8º Vara da Justiça Federal de São Paulo contra um grupo de oficiais do Exército e a União. Os procuradores alegaram que houve omissão do Estado em não cobrar dos militares o ressarcimento ao Tesouro das indenizações pagas aos familiares das vítimas da ditadura. Além de pedir a condenação dos oficiais por tortura, a ação requer a abertura dos arquivos sobre o regime militar.
Em outro julgamento, o coronel Ustra foi condenado pelo crime de tortura. O juiz titular da 23ª Vara Cível do Tribunal paulista, Gustavo Santini Teodoro, responsabilizou o militar, que na época era major, pelas torturas sofridas em 1972 por três militantes do PCdoB. O militar, que vive em Brasília, também é processado na Justiça Federal por suposto envolvimento em seqüestros e espancamento de militantes de organizações clandestinas. Ustra nega participação em torturas e contesta a decisão em instâncias superiores. A causa pode parar no STF.
“O parecer da AGU desautoriza o trabalho de anos feito pela comissão. Todos os reconhecimentos das vítimas da ditadura estariam sendo questionados”
Agustino Veit, advogado e representante da Comissão de Direitos Humanos
JULGAMENTOS
475 é o número de casos julgados pela Comissão de Mortos e Desaparecidos desde 1995
357 é o número de pedidos de indenização reconhecidos
R$ 100 mil é o valor médio das indenizações recebidas e julgadas pela comissão
7 é o número de integrantes voluntários da Comissão de Mortos e Desaparecidos
Defesa da prescrição
O parecer elaborado pela Advocacia Geral da União contestando as ações movidas pelos procuradores federais contra o Estado e os militares da reserva acusados de tortura a presos políticos durante o regime militar considera que a ação do MPF está prescrita. Elaborado pelo procurador-regional da União em São Paulo, Gustavo Henrique Pinheiro Amorim, e pela advogada da União Lucila Piato Garbelini, o texto da AGU lembra que esse tipo de ação prescreve em cinco anos e já se passaram mais de 30 anos dos fatos, ocorridos entre os anos 1970 e 1976.
Outro argumento da AGU é que a Lei 9.104/95, que concedeu indenização à família dos mortos e desaparecidos na ditadura, “traz um espírito de reconciliação e de pacificação nacional”, a mesma intenção que norteou o legislador ao aprovar, em 1979, a lei de anistia. A contestação da advocacia da União não leva em consideração que os crimes de tortura são imprescritíveis porque são considerados de lesa-humanidade e podem ser denunciados por organismos internacionais. A AGU esclareceu que defende apenas a União na ação, e não os militares denunciados pelos procuradores.
Resistências
Os advogados da União consideram “extemporânea” a ação dos procuradores federais. Eles rejeitam, ainda, o direito do MPF de propor ação com efeito regressivo contra os coronéis, para cobrar os valores pagos a título de indenização aos anistiados políticos. “Não há como exigir da União que busque o ressarcimento das indenizações por ela pagas, se foi o próprio Poder Legislativo quem concedeu tais indenizações”, diz a contestação da AGU.
A peça da instituição também questiona a ação da procuradoria alegando que o Estado brasileiro reconheceu sua responsabilidade ao editar as duas leis que não se referem ao direito de cobrar dos militares o pagamento à União das indenizações concedidas aos parentes dos desaparecidos ou mortos.
Na ação, o MPF também pede a revelação de documentos militares da época da ditadura. A AGU também considerou esse pedido extemporâneo porque as Forças Armadas já informaram que a documentação foi destruída. (LR)
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