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O fim da CPI sem o grampo

Reforçada por suposta escuta, comissão encerra trabalho sem provas da existência do áudio



Vasconcelo Quadros
BRASÍLIA

Instalada há 17 meses para apurar a suspeita de que as mais altas autoridades da República se tornaram alvos frequentes de arapongas, a CPI do Grampo encerra seus trabalhos amanhã promovendo avanços institucionais no combate à espionagem política. Mas o relatório final não terá nenhuma linha que possa esclarecer se a transcrição do diálogo entre o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, e o senador Demóstenes Torres (DEM-GO), publicada no final de agosto do ano passado pela revista Veja, é ou não produto de uma espionagem clandestina. Ainda que não tenha sido concluído, o inquérito da Polícia Federal aponta no mesmo caminho: sem o áudio da conversa – ainda mistério – não é possível dizer que houve grampo.

O inquérito presidido pelo delegado William Morad, de Brasília, está no nono mês de gestação e não tem prazo para terminar. Ficou metade do tempo com a polícia e outra metade perdido nos labirintos da burocracia judiciária. Segundo fontes da PF, as investigações praticamente isentam o próprio órgão e a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) da suspeita de autoria do suposto crime e, como subproduto, indicam que os sistemas telefônicos do STF e Senado, frágeis, são vulneráveis à ação de espiões – seja na rede, nas caixas de distribuição das operadoras ou através das incontroláveis maletas portáteis. Os peritos analisaram dezenas de equipamentos e linhas telefônicas. Pelo menos até agora, não encontraram qualquer vestígio de invasão à conversa entre Mendes e o senador. A esperança da polícia é que, até a conclusão do inquérito, surja uma testemunha ou uma confissão que possa esclarecer o caso. A própria polícia reconhece, no entanto, que as duas hipóteses são improváveis.

Há 10 dias, na véspera de seu último depoimento à CPI, o delegado Protógenes Queiroz teve acesso aos autos. Disse que manuseou perícias, depoimentos e que integram o acervo, mas não encontrou "nenhum fragmento" que aponte para a possibilidade de alguém ter grampeado os telefones de Mendes e Demóstenes.

– É uma mentira. O grampo não existiu – disse Protógenes ao JB, um dia depois do depoimento.

Protógenes afirma ter descoberto nos documentos que havia uma autorização judicial para grampear seus telefones e que o inquérito tem mais informações sobre o caso do vazamento da Operação Satiagraha – crime atribuído a ele pela PF – do que da investigação relacionada ao grampo que abalou a República.

– O ministro Gilmar e o senador Demóstenes concordam que houve o diálogo, mas há um problema grave, que é a ausência do áudio – diz o deputado Nelson Pellegrino (PT-BA), relator do texto que o plenário da CPI do Grampo deverá votar amanhã.

O relatório toca de leve no assunto, mas não esclarece se a espionagem aconteceu ou não – papel que a CPI deixou à Polícia Federal. Entre os deputados e policiais que investigam o caso começa a ganhar corpo a hipótese de que a transcrição do diálogo também possa ser uma montagem de alguém interessado em causar tumulto num momento em que o país vivia uma crise institucional gerada pelos desdobramentos da Operação Satiagraha.

Se não há prova de que houve o crime, será impossível se chegar à autoria. Há um descompasso entre o que pensam Pellegrino e o presidente da CPI, Marcelo Itagiba (PMDB-RJ), que não tem dúvidas de que Mendes e Torres foram grampeados. Itagiba baseia-se no que declararam o presidente do STF e o senador para firmar sua convicção. Mas eles apenas "acham". Os dois deputados divergem também sobre os alvos da CPI. Ao contrário de Pellegrino, Itagiba diz que, em voto separado, vai indiciar os delegados Paulo Lacerda (hoje adido policial em Portugal), Protógenes – os dois por falso testemunho – e o banqueiro Daniel Dantas, por ter contratado a empresa de investigação americana Kroll para espionar o primeiro e o segundo escalões do governo.

– O Protógenes foi mero instrumento do Lacerda – afirma o presidente da CPI.

Segundo Itagiba, o ex-diretor da Abin foi o verdadeiro mentor da Operação Satiagraha, o que deixa o governo numa saia justa num momento em que Protógenes afirma que as investigações em torno do banqueiro eram de interesse do Palácio do Planalto.

Presidente da comissão destaca avanços contra o descontrole

O presidente da CPI do Grampo, deputado Marcelo Itagiba, diz que, embora não tenha chegado à autoria das escutas clandestinas, a investigação desnudou o mundo da espionagem, enquadrou órgãos que não tinham autorização para grampear – como a Polícia Rodoviária Federal – e demonstrou a necessidade de os órgãos públicos se organizarem para coibir a banalização do grampo e colocar controles na concessão de autorização e o emprego de equipamentos.

O voto em separado será decidido amanhã, numa nova queda-de-braço entre a oposição e a bancada governista, que quer ver esse caso encerrado logo, mesmo que se tenha de por panos quentes numa denúncia que abalou a credibilidade dos órgãos públicos de segurança e inteligência e levou Mendes, no auge da crise institucional, a suspender uma viagem internacional para comparecer a uma audiência em que pretendia chamar "às falas" o presidente Lula.

Procurado pelo JB, o presidente do STF não quis fazer nenhum comentário sobre a conclusão da CPI, aberta justamente para apurar uma suposta espionagem contra ele e vários outros ministros da Corte, bem antes do episódio envolvendo o senador Demóstenes. Mendes preferiu uma declaração genérica:

– A CPI teve papel importante ao revelar a grave situação e o descontrole total das escutas telefônicas – afirmou o ministro.

Nem uma palavra sobre a suposta conspiração em que ele era o principal alvo. A menos que nos próximos dias as investigações da Polícia Federal sofram uma reviravolta, o caso do grampo contra Mendes e Demóstenes Torres caminha para se transformar numa espécie de Batalha do Itararé – a que nunca houve.

Mas o suposto grampo está no centro de série de acontecimentos iniciados em dezembro de 2007 com as denúncias de espionagem no primeiro escalão dos três poderes – uma paranoia que tomou conta da Esplanada. Depois, veio a guerra de Mendes contra a PF e sua cruzada contra o "estado policialesco", num momento em que as investigações sobre criminosos de colarinho branco começava a alcançar poderosos. Em julho do ano passado a República entraria em pânico com o desfecho da Operação Satiagraha, o prende-e-solta do banqueiro Daniel Dantas, o racha que dividiu o judiciário da primeira à última instâncias, o choque entre o governo e STF e, finalmente, o afastamento do delgado Paulo Lacerda e de toda a diretoria da Abin.

Para contornar a crise e evitar incômodos, o governo escalou o ministro da Justiça, Tarso Genro, e o diretor-geral da PF, Luiz Fernando Corrêa, como os bombeiros. A saída foi nomear Lacerda adito policial da Embaixada do Brasil em Portugal e remanejar para o Ministério da Justiça os homens de sua confiança – entre eles o ex-diretor de inteligência da PF e assessor de confiança na Abin Renato da Porciúncula. O problema é que a investigação sobre os tentáculos de Daniel Dantas ainda está em andamento e nem se sabe o conteúdo de 12 HDs de computador apreendidos com o banqueiro e que estão sendo decodificados pela Central de Inteligência Americana.

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