Decisão do ministro Marco Aurélio tira poder do CNJ para investigar conduta de juízes
Carolina Brígido – O Globo
No primeiro dia do recesso do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Marco Aurélio Mello decidiu ontem, por liminar, que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) não pode investigar juízes por desvio de conduta antes de a denúncia ser analisada pela corregedoria do tribunal onde atua o acusado.
A medida enfraquece o Conselho, que vinha investigando casos de corrupção na magistratura sem a necessidade de aguardar uma decisão do tribunal local.
Na liminar, o ministro salientou que o CNJ pode revisar casos julgados por corregedorias nos últimos 12 meses. "O Conselho Nacional de Justiça pode (...) fixar as hipóteses em que reverá, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros dos tribunais julgados há menos de um ano", escreveu. A ação foi proposta pela AMB, Associação dos Magistrados Brasileiros.
Em entrevista, Marco Aurélio ponderou que o Conselho pode transferir para sua responsabilidade processos disciplinares de corregedorias locais desde que haja um "motivo aceitável" - como, por exemplo, demora exagerada na solução de um processo. A Advocacia Geral da União (AGU) anunciou que recorrerá da decisão, em defesa do CNJ. O recurso deve ser julgado em plenário só em 2012, já que o STF entrou em recesso ontem.
- (É possível avocar o processo) desde que haja um motivo aceitável. Não pode avocar pela capa do processo. Pode-se perceber que não se está tocando como deveria ser tocado. O que não pode, em última análise, é atropelar. O CNJ não está acima da Constituição. Você imagina uma corregedoria (do CNJ) substituindo 60 corregedorias? Toda concentração de poder é perniciosa. A História revela bem isso - afirmou Marco Aurélio.
Segundo o ministro, todos os processos que hoje tramitam no Conselho e não passaram pelos tribunais terão de ser transferidos para as corregedorias. Marco Aurélio disse que, se o CNJ não tomar essa atitude, quem se sentir prejudicado pode entrar com mandado de segurança no STF pedindo a transferência.
- Ninguém nega o papel relevantíssimo que tem o CNJ. Mas não dá para eles se arvorarem em senhores da situação e atropelarem a autonomia dos tribunais - disse.
Na liminar, o ministro também suspendeu regras criadas pelo Conselho para uniformizar o processo de investigação de magistrados nas corregedorias dos tribunais. Segundo ele, apenas a Lei Orgânica da Magistratura e os regimentos internos dos tribunais podem estabelecer as normas para processos disciplinares contra juízes. Ao criar novas normas, o CNJ teria usurpado a competência do Legislativo.
"Não incumbe ao Conselho Nacional de Justiça criar deveres, direitos e sanções administrativas, mediante resolução, ou substituir-se ao Congresso e alterar as regras previstas na Lei Orgânica da Magistratura referentes ao processo disciplinar", escreveu o ministro.
Tribunais se autogovernam
Uma dessas regras estabelece que, se houver divergência entre os conselheiros na pena a ser aplicada, escolhe-se a mais branda - mesmo que não haja o apoio da maioria absoluta. "A norma editada pelo Conselho Nacional de Justiça permite a aplicação de pena com quorum abaixo da maioria absoluta exigida constitucionalmente. Para chegar a tal conclusão, basta imaginar um tribunal pleno integrado por 30 magistrados, no qual haja divergência entre a aplicação das penas de censura, advertência e remoção, situação que possibilitaria a imposição de sanção disciplinar com somente dez votos", argumentou Marco Aurélio.
Outra norma derrubada pelo ministro dava o prazo de 140 dias para a conclusão do processo disciplinar. Marco Aurélio ponderou que a Lei Orgânica da Magistratura não estabelece prazo. Outra regra banida permitia abertura de processo administrativo contra um juiz por abuso de autoridade – uma medida não prevista na lei. "O tratamento nacional reservado ao Poder Judiciário pela Constituição não autoriza o Conselho Nacional de Justiça a suprimir a independência dos tribunais, transformando-os em meros órgãos autômatos, desprovidos de autocontrole", diz a liminar.
"(O CNJ) não pode atropelar o autogoverno dos tribunais, tampouco pode invadir a esfera de competência reservada ao legislador. O poder fiscalizatório, administrativo e disciplinar conferido pela Constituição Federal ao Conselho Nacional da Justiça não o autoriza a invadir o campo de atuação dos tribunais concernente à definição das atribuições dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos."
A liminar foi dada no julgamento de uma ação direta de inconstitucionalidade proposta pela Associação dos Magistrados do Brasil (AMB) em novembro de 2010. Segundo Marco Aurélio, o caso entrou na pauta do plenário 13 vezes neste ano, mas não chegou a ser julgado. Diante do impasse, o relator resolveu tomar uma atitude sozinho ontem, primeiro dia do recesso na Corte.
O presidente do STF e do CNJ, ministro Cezar Peluso, declarou que "não há o que estranhar" sobre a decisão individual de seu colega, já que o Regimento Interno da Corte permite essa providência.
Peluso evitou avaliar a eficácia das corregedorias dos tribunais. Disse que ainda é cedo para fazer esse juízo de valor. O presidente respondeu a comentário de Marco Aurélio, que reclamou da quantidade de vezes que a ação entrou na pauta do plenário sem ter sido julgada:
- O plenário tem, há mais de cinco anos, mais de 700 processos que entram em pauta não 13, mas mais de 50 vezes - reagiu Peluso.
A briga entre CNJ e STF teve início em setembro, quando a ministra Eliana Calmon, corregedora do Conselho, disse que havia "gravíssimos problemas de infiltração de bandidos que estão escondidos atrás da toga", em protesto contra o risco de o CNJ ter sua atividade limitada. Peluso publicou nota em repúdio às declarações. Associações representativas de magistrados fizeram o mesmo.
Em outubro, o ministro Luiz Fux chegou a negociar nos bastidores uma solução na qual o CNJ não saísse tão prejudicado, já que a tendência do plenário era cortar as asas do Conselho. Fux queria estabelecer um prazo para as corregedorias, e, terminado o período, caso não tivesse chegado a um resultado final, o CNJ teria o direito de pegar o caso.
COLABOROU: Roberto Maltchik
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