Depois de comprovadas por laudo pericial a tortura e a execução do militante da ALN Arnaldo Cardoso Rocha, Ministério Público pede que o Exército indique os autores
BERTHA MAAKAROUN | CORREIO BRAZILIENSE
Belo Horizonte — O Ministério Público Federal entrará na Justiça para que o Exército Brasileiro identifique os autores do assassinato de Arnaldo Cardoso Rocha, ex-militante da Ação Libertadora Nacional (ALN). Ele foi torturado e morto entre 15 e 16 de março de 1973 pelo DOI-Codi do 2º Exército em São Paulo. A informação foi confirmada por familiares de Arnaldo e por entidades ligadas aos direitos humanos depois da exumação do corpo em 12 de agosto e da confirmação, em laudo pericial, de que, diferentemente da versão oficial na época da ditadura, o militante não foi morto em combate, mas brutalmente torturado antes de executado. “Vamos encaminhar os laudos ao Ministério Público Federal em São Paulo, que já abriu processo de investigação. A tortura é crime e não pode prescrever”, disse ontem a viúva Iara Xavier Pereira, 62 anos, que estava grávida quando Arnaldo foi capturado. “A família quer ter o direito de saber quem o matou e que seja feita a Justiça”, declarou.
“Sabemos que o executor foi o DOI-Codi, que era comandado por Carlos Alberto Brilhante Ustra. Ele e o Exército têm de ser intimados para indicar quem integrava a equipe de captura e a equipe da tortura. Ustra tem de responder pelo subordinado que cometeu o crime”, assinala Iara Xavier Pereira.
Conhecido pelo codinome de Dr. Tibiriçá, Carlos Alberto Brilhante Ustra é um coronel reformado do Exército que entre 1970 e 1974 chefiou o DOI-Codi do 2º Exército em São Paulo, um dos órgãos mais atuantes na repressão política. Em 2008, Ustra se tornou o primeiro militar a ser reconhecido pela Justiça como torturador.
Os restos mortais de Arnaldo Cardoso Rocha foram enterrados ontem, no Parque da Colina. Acompanharam o sepultamento irmãos e irmãs de Arnaldo, Antônio Ribeiro Romanelli e Betinho Duarte, da Comissão Estadual da Verdade, ex-militantes da Ação Libertadora Nacional, como Gilney Viana, ex-companheiros como Ricardo Apgaua, Jorge Pimenta, da Associação dos Amigos do Memorial da Anistia, e Frei Oswaldo, entre outros amigos e pessoas comprometidas com a causa.
Lesões
Depois de uma luta de 40 anos da família para descobrir as circunstâncias da morte do militante, os restos mortais de Arnaldo Cardoso Rocha foram exumados em 12 de agosto deste ano. A exumação foi realizada por peritos do Centro de Medicina Legal da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (USP).
A diligência foi acompanhada pela Comissão Nacional da Verdade e pelo Ministério Público Federal, representado pelo procurador da República Sérgio Suiama. O corpo de Arnaldo havia sido entregue à família em 16 de março de 1973 em um caixão metálico lacrado e enterrado sem ser aberto. O laudo
pericial contestou a versão oficial dos militares, de que o militante tinha morrido em confronto com a polícia após ter reagido. Foram identificadas lesões ósseas só observadas em pessoas que sofreram forte impacto e tortura, além de lesões nos braços e pernas, causadas por pelo menos 15 tiros.
O resultado levou a ministra da Secretaria de Direitos Humanos, Maria do Rosário, a citar o caso durante o Fórum Mundial de Direitos Humanos, em Brasília, neste mês: “Eu gostaria de pedir desculpas à família de Arnaldo Rocha pelo Estado, mas não vou fazer isso. Acho que desculpas não bastam. O Estado deve não só reparar simbolicamente, mas ser mais contundente nessa reparação. Ainda que eu acredite que devemos abaixar a cabeça diante dos mortos e desaparecidos, acho pouco pedir perdão. Não se pode matar e pedir perdão. Ainda precisamos concluir essas histórias e o Estado não merece, ainda, perdão nos dias atuais”, enfatizou ela.
Mais vozes engrossaram ontem o movimento pela rediscussão da Lei da Anistia — mantida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2010 — de modo a punir os agentes do Estado responsáveis por torturas. Para o advogado Antônio Ribeiro Romanelli, exilado entre 1966 e 1970, é absurdo que a Lei da
Anistia trate da mesma forma torturadores e militantes da resistência. “Eu, por exemplo, estou sendo julgado pela mesma lei e no mesmo nível do senhor Brilhante Ustra. Eu não aceito isso. Não tenho nada para esquecer, ao contrário, acho que fiz pouco em busca da devolução da democracia a este país. Mas o senhor Brilhante Ustra tem muito o que esquecer”, disse Romanelli. “Já é clara a tortura, o desaparecimento forçado, o assassinato pelo Estado, o que é imprescritível, pois é crime contra a humanidade”, considera.
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