Rodrigo Rangel | Veja
A oposição cobrou, na semana passada, a demissão do ministro da Justiça, o petista José Eduardo Cardozo, acusado de usar o cargo para chancelar denúncias apócrifas que incriminam adversários do PT. Em junho, o ministro solicitou à Polícia Federal que investigasse o conteúdo de uma carta anônima que apontava o envolvimento de políticos do PSDB, DEM e PPS com um suposto cartel formado por empresas multinacionais para ganhar licitações de metrô e trens em São Paulo e no Distrito Federal. Em troca da proteção ao esquema, esses políticos receberiam propina. O problema é que se descobriu que há duas versões para a mesma carta-denúncia. A original, em inglês, descreve o funcionamento do cartel. A outra, traduzida para o português, inclui o nome dos políticos. Um trecho do documento original informa que cada empresa do cartel "tinha sua própria maneira de pagar comissões a funcionários do governo". Esse mesmo trecho, no documento traduzido, relata que "cada empresa tinha a sua própria forma de pagar a propina ao pessoal do PSDB". Cardozo confirma que encaminhou as duas cartas à polícia, mas que são documentos distintos. A oposição acusa o ministro de manipulação.
Novos documentos obtidos por VEJA devem acirrar ainda mais os ânimos entre o governo e a oposição. Em setembro, a Polícia Federal recebeu duas novas cartas com revelações sobre o cartel — e duas inquietantes coincidências com o episódio descrito acima. As denúncias, igualmente anônimas, miram a oposição e também passaram pela mesa do ministro José Eduardo Cardozo antes de ser juntadas à investigação. As cartas anônimas, escritas em inglês, foram enviadas à Embaixada do Brasil em Tóquio por um suposto funcionário da Mitsui, a multinacional japonesa suspeita de integrar o cartel ao lado da alemã Siemens e da francesa Alstom. Na primeira caria, mais genérica, o remetente informa que altos executivos da Mitsui estariam envolvidos e que, recentemente, a direção da empresa teria mandado destruir documentos que pudessem conter revelações sobre o esquema em território brasileiro.
A atuação do cartel, de acordo com o informante, teria começado em São Paulo, em 1990, e, agora, ele também estaria se organizando para manipular a licitação do trem-bala, um projeto do governo Dilma que vai ligar o Rio de Janeiro a São Paulo.
Na carta seguinte, que chegou à embaixada dias depois da primeira, o autor se identifica como funcionário da divisão de transportes da companhia e acrescenta detalhes sobre o funcionamento do cartel — "dangoo" em japonês, como ele faz questão de frisar. O texto lista os nomes dos diretores da Mitsui envolvidos e diz que um deles tinha contato direto com o ex-governador tucano José Serra, a quem teria pedido ajuda para desatar a venda de quarenta trens elétricos à Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM). O denunciante afirma que da parceria entre a Mitsui e a Siemens resultaram pagamentos de propina a funcionários da CPTM. O dinheiro teria sido depositado em contas bancárias na Suíça. O suposto funcionário pedia à embaixada que enviasse as denúncias ao Ministério Público.
As cartas anônimas ganharam tratamento de segredo de Estado no caminho entre Tóquio e Brasília. A embaixada remeteu os documentos, classificados como secretos, ao ministro das Relações Exteriores, que os encaminhou a José Eduardo Cardozo. O ministro da Justiça confirmou ter repassado à Polícia Federal as denúncias, que foram anexadas a uma "investigação sigilosa". Cardozo rechaça com veemência as suspeitas de manipulação política do caso. Afirma que apenas cumpre com sua obrigação ao mandar apurar o teor das cartas. O anonimato das denúncias não significa que elas não possam ter fundamento. As investigações já realizadas sobre o cartel dos trens, aliás, exibem fartas evidências de que o esquema consumiu milhões de reais dos cofres públicos. Na carta questionada pela oposição, há um trecho em que o denunciante menciona um acordo pelo qual ganharia um emprego do PT em troca das revelações. Corruptos, independentemente da coloração, devem ser investigados e punidos de acordo com a lei. Em um Estado de direito, porém, é inadmissível que investigações policiais passem pelo crivo partidário ou sejam manipuladas de acordo com objetivos políticos. Se isso aconteceu, os responsáveis devem ser igualmente punidos.
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