PF suspeita que a conta recebia recursos das empreiteiras com contratos da obra mais cara da empresa
DIEGO ESCOSTEGUY, HUDSON CORRÊA E MARCELO ROCHA, COM MURILO RAMOS, LEANDRO LOYOLA E FLÁVIA TAVARES | Época
Há duas semanas, executivos e lobistas ligados a Paulo Roberto Costa, o ex-diretor da Petrobras preso pela Polícia Federal, reuniram-se secretamente no Rio de Janeiro. Estavam apavorados com a ação dos investigadores, que haviam apreendido preciosos documentos na casa e no escritório de Paulo Roberto, antes que ele tivesse a chance de destruí-los. Na Operação Lava Jato, Paulo Roberto foi preso porque tentou, com a ajuda de familiares, eliminar provas, não pelas evidências de corrupção que pesam contra ele. A reunião foi tensa, segundo quem presenciou o encontro. Trocavam-se acusações: uns chamavam os outros de amadores, em virtude dos minuciosos relatórios redigidos por integrantes do grupo – e porque Paulo Roberto os guardara. Todos ali sabiam que haviam sido coletadas provas fortes do que a PF suspeita ser um esquema de corrupção – e, também, das contas secretas em paraísos fiscais que, segundo a PF, foram usadas pelo grupo para esconder o dinheiro da propina, conforme revelou ÉPOCA em sua edição da semana passada.
A maior preocupação daqueles que participavam da reunião era salvar-se. Segundo a investigação da PF – e gente próxima a Paulo Roberto ouvida por ÉPOCA –, eram quatro os principais operadores: o doleiro Alberto Youssef, preso pela PF na mesma operação; o lobista Fernando Soares, conhecido como Fernando Baiano; e os dois genros de Paulo Roberto, Humberto Mesquita e – ÉPOCA agora revela – Marcio Lewkowicz. A divisão de tarefas entre eles, segundo a PF, era clara. Fernando Baiano procurava as empreiteiras que tinham, ou poderiam ter, contratos na bilionária Diretoria de Abastecimento, comandada por Paulo Roberto até 2012. Era o “diretor operacional” do grupo. Buscava oportunidades de negócios com as empreiteiras. Humberto Mesquita, como mostrou ÉPOCA, coordenava três das contas secretas no exterior. Elas recebiam propina das multinacionais que vendiam combustível à Petrobras. Youssef recebia o dinheiro que, suspeita a PF, as empreiteiras pagavam para fazer negócios com a Petrobras no Brasil. E Lewkowicz?
COMPLEXO
Petrolífero do Rio de Janeiro (foto acima). Relatório da conta de Paulo Roberto Costa (imagem abaixo, à esq.)aponta seu genro, Marcio Lewkowicz (à dir.), como suspeito, segundo a PF, de administrar propinas envolvendo a construção da obra (Foto: Agência Petrobras)
Era o que inquietava os integrantes do grupo naquela reunião. As contas controladas por Humberto Mesquita foram abertas por profissionais, gente que sabe cobrir rastros. Recebiam dinheiro, segundo os documentos apreendidos pela PF, de multinacionais como Trafigura e Glencore. A conta administrada por Lewkowicz era um ponto fraco nas operações do grupo. Lewkowicz, segundo se relatou na reunião, abrira a conta no Royal Bank of Canada, na unidade com sede no paraíso fiscal das Ilhas Cayman. Era a conta com maior saldo: US$ 2,4 milhões. Num relatório preparado por Mesquita sobre as operações do grupo, com data de setembro de 2013, apreendido pela PF, consta a seguinte anotação: “Marcio acompanha esta conta e tem todas as informações para mantê-lo atualizado”.
Na reunião, discutiram-se as duas fragilidades da conta. Primeiro, ela foi aberta com a ajuda do doleiro Dario Messer, um dos mais notórios do Brasil. Hoje morando no Uruguai, Messer representa uma fragilidade porque já foi investigado em diversas operações da PF. A segunda fragilidade meteu mais medo nos presentes ao encontro secreto: a conta, segundo se relatou ali e foi confirmado por ÉPOCA com outros envolvidos na operação, recebia dinheiro da “Comperj”. Comperj é um complexo petroquímico em construção no Rio. É a maior obra da Petrobras, estimada em R$ 19 bilhões. Está atrasada em três anos e custará, no mínimo, R$ 31 bilhões. Naquele contexto, o nome Comperj significava, na verdade, as empresas e empreiteiras que participaram das obras no complexo. É a mesma suspeita já colhida pela PF. Na última semana, a PF também descobriu indícios de que esse esquema abasteceu campanhas eleitorais dos partidos que sustentavam Paulo Roberto no cargo.
Procurado por ÉPOCA, Lewkowicz afirmou não ter relação com a movimentação da conta. “Não tenho nada com isso não, cara. Não tenho nada a declarar. Foi uma orientação. Pediram para eu não declarar nada.” Questionado se conhece o doleiro Dario Messer, afirmou: “Não tenho a mínima ideia de quem seja”. Lewkowicz foi acusado pela PF de destruir provas. Lewkowicz é casado com Arianna Costa, uma das filhas de Paulo Roberto. Arianna também foi acusada de destruir provas.
Antes do encerramento da reunião, o outro genro, Humberto Mesquita, pediu aos demais que, em futuros depoimentos, dissessem que o relatório preparado por ele, e revelado por ÉPOCA, fosse atribuído a Youssef – ambos são chamados de “Beto”. Poucos toparam. Há, e a PF sabe disso, uma briga entre os dois genros e as filhas de Paulo Roberto. Antes da operação, era apenas uma disputa por espaço no esquema. Agora, tornou-se uma briga pela sobrevivência. A reunião terminou sem acordo. Será cada um por si.
Nesta sexta-feira (11), seguindo o caminho do dinheiro pago pelos fornecedores da Petrobras, a PF foi a campo e cumpriu mandados de busca e apreensão em várias cidades, entre elas Rio de Janeiro e São Paulo, e até na sede da Petrobras. Uma apuração que começara centrada nos crimes de um doleiro tornou-se uma megainvestigação sobre a corrupção na Petrobras. Ainda na sexta, enquanto os agentes vasculhavam a sede, altos funcionários da estatal eram discretamente demitidos. Foram apeados precisamente aqueles que operavam com Paulo Roberto e permaneciam na Diretoria de Abastecimento. O atual diretor, José Carlos Cosenza, indicado pelo PMDB e homem de confiança de Paulo Roberto, não caiu. Mas caíram outros funcionários ligados ao PMDB, como o gerente José Pereira, indicado pelo ministro das Minas e Energia, Edison Lobão. Pereira era o funcionário que fechava as operações milionárias de compra internacional de combustível – aquelas que, segundo os documentos de Paulo Roberto, rendiam comissão nas contas secretas controladas pelo genro Humbero Mesquita.
A busca na sede da Petrobras, no Rio de Janeiro, foi determinada pela 13ª Vara Federal de Curitiba, no Paraná. ÉPOCA obteve com exclusividade documentos sobre a nova frente de investigação. Os alvos são as empresas Ecoglobal Ambiental Comércio e Serviços e a Ecoglobal Overseas, contratadas pela Petrobras por R$ 443,8 milhões em 2013. Segundo a Polícia Federal, 75% das ações das empresas eram vendidas para um grupo empresarial do qual participam o doleiro Youssef, por meio da Quality Holding, e para Paulo Roberto, por meio da Sunset Global Participações. Há ainda uma terceira empresa envolvida na compra, a Tino Real Participações. A venda era negociada por R$ 18 milhões, mas os documentos apreendidos pela PF não permitem saber se a transação chegou a ser concluída. Preso com Paulo Roberto, o doleiro Youssef foi acusado pela PF de montar um esquema de lavagem de dinheiro.
EMPENHO
E-mail com cópia para Paulo Roberto Costa. Seu autor afirma que a empresa se empenhou para ter contratos com a Petrobras (Foto: Reprodução)
A PF interceptou e-mails do empresário Pedro Storti, negociador da venda da empresa. Ele oferecia R$ 16 milhões, enquanto o proprietário, Vladimir Magalhães, queria R$ 18 milhões, porque tivera de fazer um esforço “financeiro e político” para atingir a condição de fornecedor da Petrobras. Segundo Storti, Magalhães dizia ainda que havia a perspectiva de a Ecoglobal assinar com a Petrobras um contrato de R$ 500 milhões, que depois poderia ser elevado para cerca de R$ 650 milhões. Paulo Roberto está copiado na mensagem. O mesmo e-mail também foi remetido à empresa GFD Investimentos, segundo a PF, de propriedade do doleiro Youssef. ÉPOCA ligou para Storti, mas ele encerrou a ligação após a reportagem se identificar.
Quanto mais graves as evidências dos Petro-rolos, mais difícil se torna criar uma CPI no Congresso. Está em jogo a sobrevivência política de vários parlamentares, que dependem de doações das empreiteiras suspeitas de bancar o esquema. Para matar a CPI, o senador Romero Jucá, do PMDB, se reuniu na segunda-feira com colegas de partido na casa do presidente do Senado, Renan Calheiros. Em meio à azáfama causada pelo afastamento do petista André Vargas da vice-presidência da Casa, ficou acertado como Jucá resolveria a delicada missão de decidir a disputa entre governo e oposição em torno da CPI para investigar a Petrobras. Na manhã seguinte, na reunião da Comissão de Constituição e Justiça, Jucá decidiu que o Senado poderia criar uma CPI ampla para investigar não apenas a Petrobras (como queria a oposição), mas também contratos do metrô de São Paulo e do Porto de Suape, em Pernambuco. Era o que a oposição não queria, mas também não era exatamente o que o governo almejava. A oposição reclamou. O governo não comemorou. Queria que Jucá tivesse negado a criação de qualquer CPI, mesmo uma capaz de produzir dados para desgastar politicamente os candidatos da oposição à Presidência, Aécio Neves, do PSDB, e Eduardo Campos, do PSB.
Nesta semana, está marcada uma sessão do Congresso em que Renan Calheiros lerá o pedido de criação de outra investigação, uma CPI mista de senadores e deputados, também para investigar a Petrobras. Existe o risco de, por ser uma semana de feriado, poucos parlamentares comparecerem. O líder do PSDB na Câmara, deputado Antonio Imbassahy, e o líder do PMDB, Eduardo Cunha, dois dos articuladores da CPI mista, não estarão lá, e sim na China, em viagem oficial. Mesmo que a CPMI seja criada, o caminho até a instalação será longo. O tempo está se esvaindo, e as chances de ela ser criada diminuem. Enquanto a Polícia Federal trabalha para elucidar os crimes, o Congresso trabalha para enterrar a CPI.
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