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Projeto busca nova geração de políticos em favelas do Rio

Daqui a 20 anos você se imagina sendo prefeita do Rio de Janeiro?


Lígia Mesquita | BBC Brasil em Londres

A estudante do terceiro ano do ensino médio Larissa Vieira nunca havia pensado nessa possibilidade quando ouviu essa pergunta. O sonho da adolescente de 17 anos, moradora da favela Vila Kenedy, em Bangu, no Rio, é ser atriz. E ela se esforça para alcançá-lo tendo aulas gratuitas em um espaço na comunidade mantido pela força de vontade de quem frequenta e do professor.


Jovens em reunião do festival TodoJovemÉRio
Jovens participam de um dos debates do festival TodoJovemÉRio, sobre política, na comunidade Cesarão, no Rio de Janeiro | Foto: Divulgação

Larissa nunca havia conversado sobre política. Nem entendia bem o que isso significava na prática.

Ela não sabia que "uma pessoa da comunidade podia estar lá (na prefeitura)". E sua percepção sobre políticos era de que "só sabem roubar".

Agora, sua visão é de que a realidade pode ser outra.

"Eu nem sabia o que eu podia fazer para mudar as coisas, agora tô começando a aprender. Tenho esperança que aqui volte a ser um lugar melhor", diz, fazendo referência à comunidade em que vive.

A adolescente conta ter aprendido um monte sobre política, inclusive que é algo "que se faz no dia a dia, com pequenas ações ou até se engajando", em uma noite de conversa na casa de Carol, uma moradora da sua comunidade que ela nem conhecia.

Ela soube no grupo de teatro que haveria por lá um bate-papo sobre problemas da comunidade e outros temas e decidiu ir ver.

Agora, a filha de um mecânico e de uma técnica de radiologia de um hospital público se imagina um dia sendo política - e quem sabe comandando a cidade onde vive.


Política em pauta

O encontro informal fazia parte do festival TodoJovemÉRio, um evento que leva para a sala de 40 casas de jovens da periferia, das favelas e do subúrbio do Rio o debate de questões políticas e sociais e tem como um de seus objetivos formar novas lideranças.

O festival, que acontece até 27 de janeiro, é promovido pela Agência de Redes para A Juventude, criadora de uma metodologia que ajuda jovens a desenvolverem suas próprias soluções para as favelas onde vivem - A Rede teve seu método exportado para o Reino Unido, já sendo usado em projetos em Londres e Manchester.

Pela primeira vez desde que foi criada em 2011, a agência decidiu mudar o foco de seu trabalho e falar de política, num momento em que o Brasil vive uma grande polarização e não vê novas lideranças surgindo.

Polarização que Larissa, por exemplo, vê e reprova. Ela já havia ouvido falar sobre direita e esquerda, não fazia ideia de como "definir isso" em termos ideológicos, mas acha "que é muito rótulo". "As pessoas gostam de falar isso para dividir as pessoas. E não serve para nada. Tem que pensar no que o povo precisa, não ficar separando o povo", diz.

Engajamento

Os capacitadores do projeto, a maioria jovens saídos de outros trabalhos da agência, mostram como as pessoas podem participar politicamente da vida em sociedade - ensinam, por exemplo, como contatar a prefeitura para pedir melhorias efetivas para as comunidades (iluminação, conserto de equipamentos) e indicam também como ocupar o espaço público para falar a mais pessoas, seja por meio da arte ou de alguma outra atividade.

Para o produtor cultural, escritor e diretor Marcus Faustini, fundador da Agência de Redes para a Juventude, é preciso antes de tentar fortalecer um único movimento político, voltar a fazer com que a política em si ganhe espaço na sociedade e assim surjam vários movimentos ao mesmo tempo. E, com eles, aumente a diversidade. "Estamos preparando esses jovens para que eles sejam respeitados e escutados no próximo ciclo eleitoral", diz ele, também crescido na periferia, à BBC Brasil.

Até o final do ano ele espera que 200 casas de periferia estejam conectadas com o propósito de debater/fazer política local.

"Quisemos que os moradores abrissem suas casas porque as casas também são espaços políticos. É um lugar de subjetividade. No ano passado a casa mais importante do Rio foi a do Caetano Veloso (vários políticos como Marina Silva e Ciro Gomes, entre outros, se reuniram lá para conversas com artistas e intelectuais), na frente da praia. Se a casa dele é importante, por que a da periferia não é? Se os políticos vão a casas de pessoas na zona sul do Rio (região mais rica da cidade), por que não ir às casas da periferia", diz Faustini.

Duas décadas até a eleição

Alguns movimentos surgidos nos últimos anos tentam colocar a política em pauta e buscam lançar dali algum possível novo nome a disputar eleições, é o caso do Agora!, por exemplo, que cogitou lançar o apresentador Luciano Huck à Presidência em 2018. Mas a maioria é formada por pessoas de maior poder aquisitivo, empresários, advogados.

"O debate sobre as futuras lideranças políticas do Brasil não pode ficar restrito à classe média. Se queremos uma renovação, precisamos ir também para a periferia", afirma Faustini.

Para Faustini, pensar em começar a formar lideranças agora para que elas apareçam como possíveis candidatos/as daqui a 20 anos não é um tempo demasiado longo.

"É muito sério o que estamos propondo. Estamos estimulando um desejo para que a periferia queira ter alguém assumindo a Prefeitura do Rio daqui a 20 anos. Isso precisa de uma construção, não é para falar 'eu vou' agora, que vão dizer que é café com leite."

Até lá, ele diz, esses jovens também poderão criar novos partidos, já que nas reuniões do festival há uma falta de identificação total com as siglas existentes.

Como funciona

Segurando uma cartolina que diz "Lideranças Confiáveis, Representante da Favela", Rebecca Vieira, 26, fala para um grupo de jovens, todos em pé, em uma casa na comunidade Batan, dentro de Realengo.

"Mandei mensagem no zap (Whatsapp), no inbox (mensagem direta do Facebook), liguei, pertubei a pessoa. E esse tema (escrito no cartaz) foi o que mais apareceu", explica a estudante de publicidade. "O que quer dizer? Muitas vezes a gente não sabe como ter uma conversa com aquela pessoa que é uma liderança na favela, é da associação de moradores". Depois, pede para o grupo dizer quais seriam as vantagens e desvantagens de um candidato a prefeito saído da periferia, como eles.

Entre os pontos positivos, os jovens dizem que um candidato saído dali conheceria de fato quais os problemas da periferia e poderia de fato ajudar a solucioná-los. Também seria alguém que falaria a mesma língua que eles, olharia com mais cuidado para essas áreas. Curiosamente, elegem também como ponto negativo essa procedência da região mais pobre, porque, dizem alguns, sofrerá preconceito e poderá ficar fascinado pelo poder - e pela corrupção.

Rebecca já tinha participado de um projeto de empreendedorismo da Redes para a Juventude e agora ajuda como uma espécie de líder do festival TodoJoveméRio. Ela, além de conduzir toda a dinâmica, ajuda a selecionar as casas que abrigarão os debates e chama as pessoas da comunidade.

A estudante diz que foi "ousada" a criação do festival. "Porque vivemos um momento político em que as pessoas se 'reúnem' é nas redes sociais, fazendo textão, reclamando, mas ninguém efetivamente faz nada para mudar."

Do seu grupo de debates, saíram já pessoas que se propuseram a ter diálogo com a associação de moradores para ver o que precisa ser feito na comunidade e também a ideia de ocupar as ruas do Batan com saraus realizados da maneira que der.

A ideia do festival, segundo o idealizador Faustini, é essa: plantar uma semente para que os jovens se tornem atuantes da maneira que der e quiserem em suas comunidades e que não olhem com desprezo para algo importante como a política.

Mudar

O camelô e rapper Bruno Souza, 17, mora na comunidade Costa Barros, perto da Pavuna, no Rio, e sempre desprezou o tema "política" por achar que só tem "ladrão" e que nada vai mudar.

Soube por um amigo de um dos debates do festival e decidiu ir "pra ver qual era" e para saber se, de fato, poderia fazer algo para melhorar a vida na sua comunidade.

"Sei que aqui é difícil mudar algo, área de risco, o tráfico atrapalha muito. Não tem pista de skate pra gente dar um rolê, precisa ir até Madureira. Não tem piscina pro banho. A única coisa que tem aqui é tiro", diz.

Ele não se arrisca a pensar que um dia poderá trabalhar em algo relacionado à política, mas acha importante que pessoas da periferia "entrem para esse sistema".

"Tem que ser um cara que veio da periferia, não adianta colocar cara lá em cima (na prefeitura) outra pessoa pra mudar algo que não conhece. Tem que ser um cara que tá aqui, que sabe o que passa no dia a dia."

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