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'Temos encontro marcado para debater o tamanho do Estado no Brasil. Não tem como fugir'

O economista que saiu do PSDB e tornou-se um dos dirigentes do partido Novo diz que os brasileiros pagam mais imposto em função do atraso da reforma da Previdência


C.J. e H.M. | El País

Gustavo Franco dedica seu tempo à gestão da Rio Bravo Investimentos, do qual é sócio fundador, mas está sempre com um pé dentro da política. Depois de sair dos quadros do PSDB, em que se filiou em 1989 e pelo qual presidiu o Banco Central nos anos de Fernando Henrique Cardoso entrou com os dois pés no projeto do partido Novo. É nessa legenda que ele faz o que mais parece gostar de fazer: influenciar um debate de ideias estruturantes, tal qual uma bola de boliche que derrube todos os pinos ao mesmo tempo. Foi essa a fórmula adotada também quando trabalhou pelo implementação do plano Real, que debelou a inflação crônica no Brasil. Hoje, abraça a ideia de reformas permanentes, prioritariamente a da Previdência, para ajustar de vez as contas públicas.

Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central
Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central | TONI PIRES

Pergunta. Você está sendo cotado no partido Novo para um cargo de vice-presidente, como dizem os jornais?

Resposta.
Não sou nada disso. Sou apenas um filiado que está participando do processo de constituição da fundação do partido. Mas no Novo tem uma separação entre dirigentes e candidatos. Estou do lado dos dirigentes. Não tenho intenção de ser candidato a nada não. Não começou ainda o período de dedicação integral que deve acontecer daqui até mais perto das eleições. Tenho dedicado muito do meu tempo a planos e ideias, que sairão no devido tempo.

P. Temos uma campanha eleitoral curta de 45 dias neste ano... Será que o Brasil está pronto para assimilar novas ideias nesse espaço de tempo?

R.
A campanha curta, o fundo partidário, o tempo de televisão são mecanismos que têm um viés pró status quo. Facilita muito a vida de quem lá está e, portanto, dificulta a renovação, o que parece ser o grande anseio da população brasileira. O Novo, onde estou eu, é um projeto exatamente na direção da renovação. Procura gente que não é profissional, que nunca esteve envolvida em política, ou se esteve agora é consistente com a ideia de renovação. É um desafio grande. Tudo é diferente também pelas facilidades da tecnologia, mais de 100 milhões de pessoas têm WhatsApp nesta eleição, o que não era o caso em 2014. Como isso será importante, como as redes sociais serão importantes, o fato de mais e mais brasileiros terem um celular mais equipado, talvez seja mais importante que o horário eleitoral gratuito. O noticiário da imprensa é mais visto e mais denso que a propaganda eleitoral. O Novo tem apenas sete segundos na TV. Ficamos imaginando coisas para dizer em sete segundos, do tipo: "se eu ganhar, você nunca mais vai ver um programa igual a esse" [risos]. Tudo conspira contra ou, pelo menos, não facilita, mas o que vale é a vontade das pessoas. Elas querem uma novidade, algum progresso vamos fazer, não sei que tamanho ele será. No entanto, qualquer progresso é bom e, com isso, a partir de 2019, o Novo estará em vários campos trabalhando. Vamos eleger um presidente da República daqui a algumas eleições para frente. Talvez 2030, mas quem sabe antes. Não vamos ficar ansiosos, a ideia é trabalhar direito. E não pegar atalhos, o João [Amoêdo] gosta de falar isso, nada de atalhos, facilitações ou compromissos. Vamos adiante com a coisa certa.

P. O que há do Novo para a economia brasileira no partido?

R.
O Novo se confunde muito com o que é chamado de reforma. Sentimos a necessidade de reformas amplamente. Nas regras do jogo econômico, no mundo regulatório e, principalmente, no Estado, onde é preciso mudar muita coisa. Ele virou uma coisa autônoma, governada pelos funcionários públicos e altos burocratas sempre lá administrando aquela máquina que parece, cada vez mais, dissociada da sociedade, que deveria ser quem manda e governa. Mas não. O parasita ficou maior que o hospedeiro, maior não, mas ganhou uma autonomia indevida. O novo é restaurar a soberania do cidadão sobre a sua vida. Para isso ele precisa afastar o Estado. Muitos programas de governo consistem em tomar o Estado e, com ele, fazer a sua vida melhor. A gente acha que tem que ter menos Estado e mais cidadão.

P. Esse é sempre um conceito polêmico, pois menos Estado não pode significar menos investimento em áreas fundamentais como saúde e educação?

R.
Acho que não é por aí. Por exemplo, o Estado do Rio de Janeiro gasta 40 bilhões de reais, por ano, para pagar a folha de ativos e inativos. São 470.000 pessoas. Esse dinheiro representa cerca de 70% a 80% do dinheiro que o Estado arrecada. Do jeito que a Previdência vai, essa cifra vai passar para 90%. Os investimentos para as áreas importantes já não existem. Como resolve essa situação? Precisamos repensar esse contrato social pelo qual você não pode mandar embora nenhuma dessas pessoas que estão ali. Muitos não estão trabalhando nem tem competência para trabalhar nem deveriam estar ganhando o que estão ganhando. Há inativos que ganham aposentadorias desproporcionais ao que contribuíram ao longo da vida. A conta não fecha mais e, cada vez, vai ficar pior. O Estado virou uma coisa que cresce sozinha por causa das aposentadorias, do jeito que são feitas e calculadas. Então nem é que a gente queira reduzir o tamanho do Estado, é que ele está aumentando. E vai continuar aumentando até chegar a um momento de ruptura. Eu não sei o que vai acontecer quando já não for possível honrar esses pagamentos.

P. Você acha que o adiamento desse debate sobre a Previdência aumenta o nó?

R.
Aumenta o problema claro. Esse é um país acostumado a procrastinar sua soluções e, por isso, ironiza dizendo que somos o país do futuro. Sempre fica tudo para frente enquanto adiamos o momento de tomar a medicação. Perdemos agora mais tempo. Era otimista imaginar que essa legislatura, que foi eleita junto com a Dilma Rousseff, iria passar a reforma. Vamos lembrar que o Congresso é eleito junto com o presidente. Então, em geral, ele é eleito com a mesma cabeça e programa que o presidente da República. Este Congresso foi eleito com Dilma, com a aliança do PMDB, com um viés ideológico. Com o impeachment, esse Congresso fez uma espécie de cavalo de pau mental para voltar para uma agenda de reforma e responsabilidade fiscal de onde nunca deveríamos ter saído, mas que não foi a razão de ser da eleição deles. Acho que conseguimos progressos inesperados e bons nesse mandato do Michel Temer. Pode ter sido oportunista, não é sincero. Pouco importa. Mas no caso do debate da Previdência se chegou a um limite, não conseguiu passar essa que seria uma reforma importante.

P. Mas este Governo colocou o chamado bode na sala. Quais fatores positivos você acha que o Brasil viveu no ano que passou?

R.
O debate foi importantíssimo porque ele convenceu muita gente que tinha opinião contrária. Outros que não são afetados pela coisa, sobretudo a população mais jovem, adquiriu alguma consciência do assunto, porque vai lhe afetar ali na frente. Mas já afeta hoje, porque o jovem já percebe que o seu governo local, seja no Rio de Janeiro ou qualquer outro lugar, não tem dinheiro para alguma coisa do seu interesse. E ele sabe que não tem dinheiro porque precisa pagar aposentadorias exorbitantes. A cabeça do Brasil sobre esse assunto mudou. É um desafio para o próximo Governo reapresentar o assunto inteiro, com soluções proativas. Esse assunto não deveria ser um bode, uma maldade, é algo que melhora a nossa velhice. Como nação, precisamos ter uma solução adequada. Hoje está ruim porque há uma luta de classes estranha. Um grupo de aposentados privilegiados explora uma maioria de jovens trabalhadores, que se vê taxada seja diretamente pelas contribuições que tem que fazer ou indiretamente pela dívida pública que tem que pagar. Não é na folha que desconta o buraco do INSS, mas a dívida que faz para pagar o rombo entra na conta de todo mundo. Nós estamos sendo tributados por essa falta de reforma. E o buraco vai ficando cada vez maior. Acho que essa consciência cresceu e eu fico otimista de pensar que a solução que vai aparecer em 2019 será mais estruturante e vai receber uma acolhida maior.

P. Em uma entrevista você disse que um dos seus motivos para sair do PSDB era o espaço grande dado ao economistas de esquerda dentro do partido. Você se vê como um economista de direita?

R.
Eu me vejo como um economista direito. Tem o que não é direito, que não sabe fazer contas e arruma justificativas irracionais para coisas que resultaram no Petrolão. Muitos profissionais tiveram envolvidos nessa política econômica entre aspas suicida que levou a esse desfecho. Dentro da profissão, tem gente que não trabalha direito, não é esquerda ou direita. No nosso caso, o Brasil está muito cheio de consensos, contas que precisamos fechar. Não deveríamos estar perdendo tanto tempo com os debates de esquerda e direita no plano da economia. Eles existem nos planos dos costumes, da política identitária. Na economia não, as coisas estão mais assentadas no consenso internacional. Não há muito o que inventar e, quando inventa, dá errado. O Brasil está um pouco atrasado a chegar aos consensos -de reformas, por exemplo. Mas nunca é tarde. A reforma da Previdência já tem um consenso maior. Com um pouco mais de explicação e uma embalagem um pouquinho melhor vai ajudar. Esse Governo Temer não é organicamente ligado a essa agenda que estamos praticando hoje. O PMDB, sobretudo esse ramo que se elegeu junto com a Dilma, não combina com essa agenda. Por puro pragmatismo misturado com oportunismo, eles adotaram a agenda de bom senso. E estão sendo acusados de neoliberais. Pouco importa o rótulo, a coisa certa esta sendo feita. Pretendemos oferecer as reformas de uma forma mais estruturada e temos a ilusão de que elas vão ser melhor compreendidas e aceitas com maior facilidade.

P. A pauta há poucos dias era a candidatura do Luciano Huck e o Fernando Henrique endossar. Você já esteve bastante próximo de FHC. Isso te chamou atenção?

R.
Eu não conheço o Luciano Huck pessoalmente, só da TV. Mas conheço o Fernando Henrique. E o que estou vendo ali é a angústia dele de querer renovação no PSDB e ver que ela não está acontecendo. A ideia do Huck ou de qualquer outro nome fora da caixa responde a um anseio de renovar. Acho que não vai acontecer, tanto que eu fui embora. Acho que já é uma estrutura amadurecida, já cheia de vícios. Mas compreendo a boa intenção do presidente, não deve ter sido bem recebida pelo [Geraldo] Alckmin, mas essa é a política.

P. Ninguém no Brasil de hoje é igual ao que era em 2014, não dá pra desprezar tudo que estamos vendo, até com o próprio Judiciário revelando adoção de benefícios, como auxílio-moradia para compensar “falhas do Estado”….

R.
A experiência toda de 2014, petrolão, impeachment teve uma repercussão profunda e extremamente positiva para o Brasil. Ela fez claro muitas das distorções, além da pilhagem da Petrobras. No fundo, começou embrulhada numa ideia de fomento a indústria nacional, do fornecedor nacional. Por conta dos mecanismos de conteúdo nacional nas contratações da Petrobras você criou essa teia de amigos do rei, pendurados em um orçamento maluco de investimentos da Petrobras. Todos esses vícios juntos, de repente, adquiriram uma expressão, uma clareza para a população como a gente nunca tinha visto. E de uma forma aterradora. Os números de corrupção, o número de companhias envolvidas na Lava Jato, o tamanho dessas empresas. Tudo isso foi uma lição muito importante para o país de como não se fazer. Quais cuidados tomar entre o público e o privado. Foi como se tivesse acontecido uma infecção, um crescimento de um capitalismo diferente, meio russo, capitalismo de quadrilha, que de repente se tornou quase que um projeto de Estado, associado a um projeto político. Isso criou um horror da população aos mecanismos que deram a origem a isso. O que terá profundas implicações em políticas industriais, na administração de empresas estatais, políticas tributárias, como se dá subsidio. Tudo isso está muito vulnerável, porque não queremos outro Petrolão nunca mais. Foi do nosso bolso que saiu aquele dinheiro todo.

P. Entre este ano eleitoral e o novo presidente colocar o assunto reforma na mesa vai tomar pelo menos dois anos. Esse período de atraso pode fazer a Previdência explodir?

R.
Depende do que você chama de explodir. O Rio explodiu há dois anos. A situação fiscal de Minas Gerais, Rio Grande do Sul estão piores até que o Rio. O que há é um agravamento constante do quadro e talvez nunca exploda, mas ele vai deteriorando de múltiplas maneiras. Uma, particularmente cruel, é que a deterioração fiscal causado pelo tumor enfraquece toda a capacidade do organismo estatal cumprir suas funções, inclusive de segurança. No Rio de Janeiro, o colapso do Estado ele começa fiscal, mas você não consegue fazer mais nada que não seja pagar a folha. E a folha está atrasada. Isso talvez seja a explosão. Talvez tenhamos que repensar o alcance da ideia de direitos adquiridos. Não se trata de discutir se a pessoa tem esse direito ou não. Mas se a soma desses direitos excede a capacidade do Estado, do cidadão cumprir o prometido, é preciso recontratar. Da maneira que a democracia permita, mas é preciso recontratar. Tivemos, nos últimos anos, alguns empreendimentos públicos de sucesso que dão impulso ao bom exemplo, tenho essa memória muito grande do Plano Real que foi um momento mágico. Se a gente conseguiu dar jeito na inflação poderíamos dar jeito no trânsito, na segurança, no crescimento. Tivemos vários anos de otimismo embalados nessa crença em nós mesmo. Agora, estamos num momento meio ruim de descrença em nós mesmos e desconfiança das autoridades. É uma combinação terrível. E é preciso reverter isso. A eleição pode ser uma coisa para catalisar um sentimento positivo de recuperação da moral, do ânimo do país que está muito abalado.

P. Depende do candidato também. Alguns podem aprofundar essa descrença…

R.
Eu quero ser otimista e acreditar que o processo vai ajudar a selecionar e excluir as alternativas depressivas e nos deixar só com as que fazem bem para o país. Vamos torcer para que a maioria vai acertar, costuma acertar.

P. A receita do economista do deputado Jair Bolsonaro, por exemplo, é bem neoliberal: privatizar tudo para pagar a dívida. Parece uma fórmula um pouco simplista. Bolsonaro é hoje um candidato forte, como vê o projeto econômico dele?

R.
Li um pouco pela diagonal, mas conheço a cabeça do Paulo Guedes. E sobre as privatizações acho que existem muito mais coisas do que pagar a dívida. Em muitos casos, a privatização não é para produzir recursos, mas fazer acontecer investimentos em áreas onde o Estado não tem capacidade de fazer. Um exemplo favorito disso é o saneamento, que é uma área que precisa de muito investimento, por razões de serviço e também por questão de saúde pública, você previne mortes por Aedes aegypti, disenteria e por uma questão ambiental. Ao privatizar companhias de saneamento, muitas delas municipais, não chega dinheiro pelas ações, você vai comprar uma coisa que vale negativo, é o direito de fazer o investimento e depois cobrar tarifas. Nesse caso não vai cancelar dívida você vai fazer boas políticas públicas e permitirá que mais populações tenham água e esgoto. O que é muito. Muitas das situações você pode resolver não com privatizações, mas com parcerias público-privadas (PPP). Outras estatais deveriam fechar e mandar as pessoas embora. Há empresas maduras que não precisam ser do Governo, inclusive seriam melhores se elas não fossem, como é o caso do Banco do Brasil. E o tesouro poderia fazer um bom dinheiro vendendo o controle e até permanecendo sócio. Há uma infinidade de possibilidades. O Estado precisa ser menor, mas não podemos liquidar ou tratar mal o nosso patrimônio.

P. Há um temor da população quanto um aumento de tarifas caso se privatize algumas estatais.

R.
Claro que a preocupação existe do consumidor pensando: vou pagar uma conta de telefone mais cara. O telefone inclusive é um bom exemplo, porque lá trás a conta de telefone era baratinha, mas ninguém tinha telefone celular. Hoje tem mais celular que brasileiro. Pode até falar que as companhias estão no topo das reclamações. Mas que bom que tem telefone para reclamar e tem quem ouça e quem puna, agências reguladoras. Francamente, a privatização da telefonia foi um sucesso. Por que não se poderia fazer a mesma coisa com a eletricidade e o saneamento? Será verdade que aumentaria a conta de luz? O saneamento seria mais caro? Pergunta para uma pessoa que não tem água encanada nem esgoto quanto ela paga hoje. Zero. Vai ficar mais caro sim. Mas a diferença entre ter água encanada e não ter vale muito mais do que isso. Vamos caso a caso, olhar com calma. Cada setor tem sua complexidade. Em cada um desses casos é preciso olhar de onde vem o dinheiro e como vai arranjar para melhorar o serviço da população. 99% dos casos têm a ver com privatização sim. Qual o jeito, é preciso avaliar, mas é preciso certa rapidez, porque a população tem pressa, pessoa sem esgoto sujeito a mosquito tem pressa.

P. Além da Previdência qual outra prioridade de um novo Governo para livrar o país desse rombo?

R.
Acho que tem o aspecto fiscal e o da economia. No aspecto fiscal, a Previdência é importante e ela afeta a economia porque afeta poupança, mercado de capitais. Precisamos também repensar o funcionalismo, o tamanho do Estado. Seja o número de funcionários e suas respectivas funções e o que o Estado faz. A gente não consegue reduzir o número de funcionários e de ministérios se não reduzir as atribuições do Estado. Temos um encontro marcado com esse assunto em 2019, não tem como fugir. Para melhorar o fiscal precisa arrumar a folha de pagamentos de ativos e inativos. Para sobrar algum dinheiro para a gente pensar em novas iniciativas, mais econômicas e eficientes e funcionais para saúde, educação, coisas que a população precisa e quer e que os governantes precisam arrumar. Recursos e soluções melhores. Já a economia tem outra agenda. A economia privada também precisa de reformas. As minhas três prediletas são: a abertura, a trabalhista e a tributária. Ou seja, dar melhores condições trabalhistas e tributárias para as empresas enfrentarem a competição. Eu torço para que essa eleição e o próximo Governo tenham diante deles uma janela. Saibam aproveitar para introduzir aceleradores de crescimento corretos. Cada um tem a sua receita.

P. A economia começa a dar sinais de melhora, mas como avalia o clima no ambiente de negócios?

R.
A melhora já se observa há algum tempo, mas o sentimento melhor está temperado com curar ferida, cicatrizar as feridas deixadas pela recessão mega, o petrolão, turbulência política. Sem contar que você tem na economia uma porção de personagens radioativos. São grandes empresas que são tomadoras de créditos do banco, todas têm milhões de fornecedores, tudo isso de repente ficou meio radioativo. Tudo isso ainda está se acomodando e com isso a economia vai voltando ao normal, os negócios vão reaparecendo. Em algumas regiões como no Rio, profundamente dependente da Petrobras e das atividades de óleo e gás vai ser uma normalidade que vai ser retomada a medida que a própria Petrobras retomar a atividade. Ela não vai voltar aos níveis de investimento que teve nos anos da megalomania. Com certeza a empresa e o setor irão se reinventar. Tem gás, tem óleo, o pré-sal surpreende sempre para melhor. Temos todas as condições para retomar. Ainda não é uma embarcação com as velas plenamente soltas porque as empresas ainda têm desconfiança do seu ambiente de negócio estruturalmente falando. É o mesmo sistema tributário trabalhista que sempre tivemos, uma coisa ali ou aqui melhor. A esperança de reforma existe, mas seguimos esperando.

P. Outra vez os empresários vão esperar para retomarem os investimentos após as eleições?

R.
Somos o país do futuro, é uma espécie de maldição sim. Parece que a gente sempre pode esperar um pouquinho mais e vai ficando cada vez mais custoso. Às vezes me perguntam: por que a taxa de juros no Brasil é tão alta? Uma resposta é porque o Brasil é o país do futuro. Está sempre adiando as coisas. O número de coisas adiadas é tão grande, que o preço do adiamento fica maior. A dívida é muito grande, o que deixamos para pagar lá na frente é muita coisa, por isso fica caro.

P. Por um lado, há uma celebração de queda da inflação, mas o fiscal não progrediu, as agências de risco cortaram a nota do país...Por que a Bolsa de Valores brasileira celebra tanto?

R.
A bolsa tem uma dinâmica otimista, são empresas, organizações que dependem da coisa dar certo, torcem e estão ali para isso. Ela sempre está dando um pouco mais de peso ao sucesso que ao fracasso, é natural. Como muitas ocasiões, temos um copo meio cheio ou meio vazio e a bolsa é a metade cheia. O exterior vem ajudando. Lá fora, o investidor que olha os mercados emergentes e desenvolvidos enxergam um atrativo dos ativos baratos no Brasil. Quando as coisas ficam muito baratas, há sempre uma pressãozinha para elas manterem uma paridade com a mercadoria comparável lá fora. É a lógica do Big Mac. O mesmo produto, medido na mesma moeda, tem que custar a mesma coisa. Isso vale para Big Mac, mas vale para siderúrgica e investimentos na bolsa. Toda hora, as pessoas estão fazendo essa paridade. Só que não é exatamente a mesma coisa. Uma siderúrgica no Brasil não é a mesma coisa que no Canadá. Feitos os descontos, saber se está mais barato não é tão simples. A Bolsa, no entanto, ainda está muito abaixo do que estava em 2008 antes da crise. Ou 2009, quando a Petrobras fez o seu aumento de capital. Se você olha a capitalização de mercado das empresas - quanto valem em dólares o conjunto de empresas que são negociadas-, era perto de dois trilhões de dólares em 2009. Chegou a cair perto de quatrocentos no pior momento de Dilma, agora deve estar na faixa de um tri. É metade ainda do último pico.

P. Acha que a chegada do Nubank e de outras fintechs têm chance de modificar um pouco a concentração bancária no Brasil?

R.
Esse é um projeto encantador exatamente nessa direção. O sistema bancário é muito concentrado sim e é muito difícil imaginar como é que vai evitar as piores consequências da concentração sem alguma solução tecnológica diferente. O Nubank aparece exatamente neste espaço. O cartão de crédito sem tarifa vira uma porta de entrada para toda a gama de serviços bancários dominada pelos 5 grandes. Os números esperados para esse ano já colocam o Nubank numa participação de mercado razoável no plano dos bancos, considerando uma empresa que começou há tão pouco tempo. Uma empresa de menos de 5 anos que começou do zero ameaçar Bradesco, Banco do Brasil é um feito empresarial extraordinário.

P. Como carioca, o que você acha da intervenção federal no Rio de Janeiro?

R.
São muitos aspectos. Como carioca, o que domina todos é a esperança que dê certo. Está longe de ser a primeira vez que tropas federais vão ao Rio, sob diferentes dominações. Foi em 92 na Eco, nos jogos pan-americanos, nos Jogos Olímpicos. Cada um desses episódios teve mais ou menos o mesmo formato. Dessa vez tem uma diferença que é vir não porque há um grande evento que precisa assegurar a paz. É algo pior, um colapso da governança local, liderança política falha com uma situação de segurança grave, mas não tão mais grave do que a situação de outros estados da federação. No Rio, entretanto, há mais visibilidade. A crise de segurança chamou mais atenção do que de outros estados do nordeste. Internacionalmente é ruim para a imagem do país o que torna o assunto ainda mais urgente. A capacidade do governo local de reagir fez com que tivesse esse formato diferente. Não quero entrar nos oportunismos políticos. Estou olhando sob o aspectos dos cariocas que gostaria de ver uma atuação do militares como no Haiti, ter um um papel construtivo na comunidade. Conseguir melhorar a polícia carioca, diminuir a corrupção, modernizar equipamentos. Tem uma história que o Governo Federal vai ter que colocar dinheiro, extra-teto. Nas Olimpíadas, o Governo colocou três bilhões mais ou menos de despesa no Rio de Janeiro em segurança, pode ser que novamente seja essa ordem de grandeza. O que faz muito diferença no orçamento do Estado para fazer o que ele hoje não tem a menor condição de executar. No frigir dos ovos, trata-se da sociedade colaborar, tomar conta e ajudar a fazer a funcionar. Quem tem a ganhar somos nós, a população.

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