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Governo e Congresso sujeitam Orçamento ao jogo do poder

GUSTAVO PATU
da Folha de S.Paulo, em Brasília

Mais do que brechas legais para a corrupção, os desvios de dinheiro público investigados pela Operação Navalha ilustram como governo e Congresso subordinam o Orçamento da União ao jogo do poder, em detrimento do planejamento e da definição de prioridades.

Irregulares ou não, mesmo obras incluídas entre os investimentos federais mais importantes têm seus recursos --e até sua inclusão na lista-- vinculados às negociações que permitem ao Palácio do Planalto manter razoavelmente coesa sua coalizão multipartidária.

Regras para a elaboração do Orçamento também mudam de acordo com as necessidades de ocasião. No exemplo mais recente, o valor das despesas que cada parlamentar pode acrescentar à lei orçamentária foi elevado de R$ 3,5 milhões para R$ 6 milhões desde que o escândalo do mensalão abalou a base aliada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A barganha se concentra numa fatia relativamente pequena do Orçamento: as despesas não obrigatórias, caso de obras, compras de produtos e equipamentos, convênios com governos estaduais e prefeituras. São R$ 112 bilhões neste ano -pouco menos de 20% da receita total, mas o suficiente para dar lastro político e financeiro ao governo e seus aliados.

Mas os números da lei orçamentária significam pouco. Por meio de decretos e medidas provisórias, o governo bloqueia, remaneja e cria despesas ao longo do ano, conforme o andar das estimativas de arrecadação e dos entendimentos com deputados e senadores, prefeitos e governadores.

Obras ao acaso

Foi uma MP, por exemplo, que destinou, em dezembro de 2005, R$ 70 milhões à barragem do rio Pratagy, em Maceió, uma obra tocada pela empreiteira Gautama que nem constava do Orçamento proposto pelo Executivo, modificado e aprovado pelo Congresso.

Ignorada também nos dois Orçamentos seguintes, a obra passou a ser considerada prioritária e foi incluída no PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), o pacote destinado a estimular a economia.

Esse status recém-adquirido não combina com o tratamento dado ao projeto desde seu início. Apenas R$ 30 milhões foram efetivamente liberados para o empreendimento --e, mesmo assim, graças a pressões políticas e empresariais ainda não totalmente esclarecidas.

Outra rubrica orçamentária que favorece a Gautama chegou ao Orçamento de 2005 através de emenda anônima, assinada formalmente pelo relator-geral do projeto naquele ano e hoje líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR).

Trata-se de R$ 64,3 milhões para serviços de restauração da BR-242 na Bahia. Apesar da origem obscura, a verba, que não constava da proposta original do Executivo, passou a integrar um núcleo de projetos que deveria merecer a primazia das verbas federais.

Ao contrário da obra do Pratagy, a da rodovia não está às voltas com suspeitas de irregularidades. Em comum, ambas são resultado de um Orçamento que, como reza o clichê brasiliense, é peça de ficção.

Drible na Constituição

Pela Constituição de 1988, as previsões anuais de despesas deveriam ser compatíveis com Planos Plurianuais definidos a cada quatro anos. Assim, seria possível um planejamento de longo prazo e minimizados os casuísmos no gasto público.

A prática mostra como idéias que parecem boas no papel se tornam inócuas --basta dizer que a Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2008 já está em tramitação no Congresso, enquanto o projeto de PPA (Plano Plurianual) para o período 2008-2011 nem sequer foi concluído pelo Executivo.

Introduzidos na década passada, os PPAs nunca despertaram no governo e no Congresso o interesse destinado a projetos de Orçamento, motivos de um acerto de contas anual que baliza as relações políticas e institucionais entre os dois Poderes.

A queda-de-braço começa no fim de agosto, quando o Executivo manda ao Legislativo um projeto de Orçamento que subestima receitas e despesas esperadas no ano seguinte. Para o ano passado, por exemplo, foi estimada receita de R$ 523 bilhões, R$ 20 bilhões abaixo do realmente arrecadado.

Invariavelmente, a previsão de receita é elevada no Congresso para acomodar as emendas parlamentares e os gastos que o próprio Executivo deixa para acrescentar ao texto após negociação política. Depois que o Orçamento é aprovado e sancionado, o governo volta a reduzir a projeção de receita e bloqueia parte das despesas.

Até o início da execução do Orçamento, lobbies políticos e empresariais têm a oportunidade de negociar a inclusão de despesas de seu interesse no texto proposto e aprovado. A liberação do dinheiro, porém, é decisão exclusiva do Executivo.

Barganha

Esse poder discricionário ajuda o governo formar sua maioria parlamentar em um sistema político freqüentemente criticado pela profusão de partidos de pouca consistência programática. Afinal, os deputados e senadores que conseguem liberar verbas públicas ganham prestígio entre os eleitores e os financiadores de campanhas eleitorais.

Não por acaso, os sucessivos escândalos de corrupção envolvendo verbas orçamentárias passam, todos, pelo Executivo --ainda que as CPIs do Orçamento (1993) e dos Sanguessugas (2006) tenham dado mais visibilidade ao papel do Congresso.


O esquema investigado pela Operação Navalha mostra que a barganha entre governo e Congresso para o direcionamento regular ou irregular de verbas independe da tramitação formal do Orçamento.

Ainda assim, o caso recolocou em debate as diversas propostas apresentadas nos últimos 15 anos para aperfeiçoar o processo orçamentários --nenhuma delas é consensual e todas são limitadas pelo arranjo político entre o governo e os parlamentares.

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