Juiz é suspeito de cobrar salário de funcionário
ANDRÉA MICHAEL
da Folha de S.Paulo, em Brasília
RAPHAEL GOMIDE
da Folha de S.Paulo, no Rio
Um conjunto de 20 documentos e 11 fitas cassete apreendidos pela Polícia Federal na residência do juiz do Tribunal Regional Federal (TRF) da 2ª Região José Eduardo Carreira Alvim sugere que o vice-presidente do órgão, Fernando Marques, teria ficado com parte do salário pago a um funcionário de seu gabinete.
Trata-se de Eledilson Proença Botelho, servidor originário da Câmara Municipal de Niterói, chefe-de-gabinete de Marques entre 19 de maio de 1999 e 6 de agosto de 2000. Botelho saiu do TRF um dia após deixar a chefia de gabinete do atual vice-presidente do tribunal, segundo dados do órgão.
Conforme os relatórios de análise da PF aos quais a Folha teve acesso, um dos documentos é uma "carta de Eledilson Proença Botelho, destinada ao [então] presidente do TRF 2ª Região Alberto Nogueira, denunciando o pagamento de parte de sua gratificação de chefia à filha do desembargador Fernando Marques -Fernanda Marques". Na ocasião, o salário de chefe-de-gabinete era R$ 5.186,45.
As fitas e documentos, parte de ação penal em tramitação no STF (Supremo Tribunal de Federal) e na Justiça Federal no Rio, foram apreendidos pela PF na Operação Hurricane.
Carreira Alvim é um dos denunciados sob a acusação de ter praticado os crimes de quadrilha e corrupção passiva.
A PF afirma que "os documentos (...) estão vinculados a diálogos interceptados [na investigação da Hurricane], nos quais Carreira pedia cooperação de Eledilson no sentido de reunir provas contra o desembargador [sic] Fernando Marque, provas estas relacionadas ao fato de que este desviaria parte da gratificação de chefia de funcionários do tribunal em benefício de sua filha".
Dossiês
Eledilson afirmou à Folha ter protocolado o documento na presidência do TRF e, recentemente, entregado cópia a Carreira Alvim, junto com fitas de conversas dele com Marques. O material comporia um dos dossiês que, segundo a PF, Carreira Alvim estaria montando contra colegas do TRF.
"Entreguei ao desembargador [sic] Carreira Alvim, que me solicitou o documento. Ele me procurou recentemente, disse que estava procurando provas, que tinha muita corrupção dentro do tribunal, estava juntando provas, porque queria acabar com a corrupção e agora me envolveu nisso", afirmou. "Eu confiei nele e entreguei nas mãos dele, entreguei tudo a ele. Confiei nele e depois fiquei sabendo daquele escândalo no jornal."
Eledilson não quis falar sobre como Marques teria cobrado parte de seu salário.
Para os policiais, Carreira Alvim --sabendo que era investigado--, pretendia usar as informações para alegar que ficou na mira da PF porque denunciaria supostas irregularidades de magistrados.
Outro lado
O vice-presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, Fernando José Marques, negou, por meio de sua assessoria, que ficasse com parte do salário do ex-chefe-de-gabinete Eledison Proença Botelho.
Em e-mail enviado à Folha pela assessoria do tribunal, Marques diz que "se afiguram inverídicas as afirmativas de que o dito funcionário [Eledison] devolveria parte de seu salário comissionado a mim ou a quem quer que fosse".
Segundo o juiz, as declarações "são conseqüência natural de quem se sente prejudicado ao ser destituído de função de confiança", o que teria ocorrido "a partir do momento em que deixou de ser depositário das expectativas de confiança que o cargo ocupado exigia".
Ainda conforme o e-mail, documentos e gravações "acaso encontrados bem refletem o fato de que o anterior vice-presidente [José Eduardo Carreira Alvim] estaria realmente montando dossiês contra colegas".
O juiz do TRF Alberto Nogueira, presidente do tribunal à época, disse à Folha não ter recebido carta
Segundo Nogueira, Marques disse que não aceitava chantagem. "Ele me pediu conselho e eu lhe perguntei se ele tinha alguma coisa [irregular]. Respondeu que não. Se não tinha nada [de errado], disse que "se tiver que falar, que fale"."
O advogado de Carreira Alvim, Luiz Guilherme Vieira, afirma que o processo está em segredo de Justiça e pediu ao STF a degravação de interceptações telefônicas e escutas ambientes. Disse que só depois disso e do laudo sobre o material se pronunciará. Fernanda Marques e João Carlos Guimarães não foram localizados.
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