De acordo com o serviço de informações do Ministério das Relações Exteriores, representantes da resistência à ditadura, como Leonel Brizola, tinham ações sustentadas pelos dólares de Fidel
Claudio Dantas Sequeira
Da equipe do Correio Braziliense
Da equipe do Correio Braziliense
Mais que divergências sobre a abordagem teórica de como reagir à ditadura no Brasil, foram a escassez de recursos ou sua má-administração os principais motivos das disputas internas entre os asilados brasileiros. Baseados em países como Uruguai, Chile, França e Argélia, eles tentaram se organizar e, sobretudo, sobreviver longe da terra natal. Cuba foi a principal origem dos dólares que alimentaram a resistência. Os informes produzidos pelo serviço secreto do Itamaraty, ao longo de 19 anos, revelam uma face desconhecida da história clandestina dessas pessoas. Informações que servem como ponto de partida para melhor compreensão de um período em que a legalidade de muitas ações era diariamente relativizada.
Leonel Brizola, por exemplo, é diversas vezes arrolado em transações comerciais nebulosas, do ponto de vista dos agentes do Centro de Informações do Exterior (Ciex). O ex-governador foi o asilado brasileiro mais monitorado do regime militar, segundo o arquivo obtido pelo Correio. Considerado “perigoso e imprevisível”, Brizola, que recebeu cartas do próprio Fidel Castro, aderiu, com alguma resistência, à estratégia da guerrilha cubana. Para Havana, enviou diversos ex-militares com quem mantinha relação desde antes de 1964. Inclusive José Anselmo dos Santos, o famoso Cabo Anselmo.
O regime cubano passou a apoiar financeiramente Brizola em 1966, quantias que ele usaria na compra de armas e para pagar o aluguel de um apartamento e uma casa em Montevidéu. A casa, situada no Boulevard España n° 2.847, era conhecida como “Viet-Cong” e sua administração estava a cargo de Paulo Cavalcante Valente. O informe nº 472, de outubro, relata como Fernando Souza Costa — filho do ex-ministro da Fazenda Artur Souza Costa entre 1934 e 1937 — viajou a Havana, “de onde trouxe US$ 30 mil para Brizola”. Mas já naquele período alguns asilados começaram a suspeitar de como o líder político estaria usando o dinheiro de Cuba.
Aquisições pessoais, como as propriedades em Atlântida e Pando (no Uruguai), hotéis, além de aviões e cavalos de corrida — muitos adquiridos com o cunhado João Goulart —, foram amplamente questionadas e registradas pelos agentes. No informe nº 355, de 14 de setembro de 1966, “os comunistas linha-Pequim” alegam que, “enquanto seus quadros vivem em dificuldades e perigo em território brasileiro, Brizola recebe grandes quantias em dólares (menciona-se a soma de US$ 10 mil) para custear uma ação revolucionária e nada faz”. O motivo levou a desentendimentos entre Brizola e seus auxiliares diretos, Neiva Moreira, Dagoberto Rodrigues e Paulo Romeu Shilling Shirmer, segundo informações registradas no informe nº 355.
Os aliados de Brizola reclamavam que o político gaúcho não estava fornecendo os recursos prometidos ao PCdoB, “embora venha lançando mão dos quadros do partido”. Um dos principais críticos era o ex-almirante Cândido Aragão, que chegou a hostilizar publicamente Brizola por questões “de caixa”. Aragão teve que recorrer a outros movimentos armados. Os “tupamaros (guerrilheiros uruguaios) enviaram ao ex-almirante Cândido da Costa Aragão a quantia de US$ 2,5 mil com a finalidade de financiar a montagem de três aparelhos clandestinos no Chile”, segundo o documento nº 627/72.
Pelo conteúdo do informe nº 476/76, o ex-governador do Rio Grande do Sul apostava mais na guerra midiática do que no enfrentamento armado. “Consta que o asilado Leonel de Moura Brizola teria dado o montante de US$ 5 mil à direção do jornal uruguaio Época”, onde trabalhava então o deputado José Guimarães Neiva Moreira. O informe nº 53 de 1969 registra que Brizola vendeu a granja de Pando por “4 milhões de pesos uruguaios”, depois de tê-la adquirido por 650 mil pesos uruguaios. Já o informe nº 717, de 23 de dezembro de 1968, por exemplo, mostra que o político gaúcho ainda “gozaria de crédito junto às autoridades cubanas, as quais esperariam momento propício para reatar com o marginado”.
O informante revela então que a “ajuda financeira de Cuba estaria sendo destinada” a partir de então “a Carlos Marighela”. Depois da morte de Marighela, o dinheiro passou a ser destinado a Jefferson Cardim Osório, e logo para Joaquim Alves Cerveira. “O grupo de Cerveira seria o mais atuante, ajudado por Cuba, de onde teria recebido a quantia de US$ 6 mil, em 1970” , informa o documento nº 033/72.
Não foi só Cuba que ajudou a financiar a oposição brasileira no exílio. Partidos comunistas de países europeus foram importantes fontes de recursos. O informe nº 052, de 7 de fevereiro de 1973, mostra por exemplo a peregrinação do asilado José Ferreira de Almeida pela Itália, Iugoslávia, Romênia, Bulgária, Tchecoslováquia e Suécia. “Nessa viagem, arrecadou US$ 30 mil dólares para a Associação Chileno-Brasileira de Solidariedade (ACBS)”, informa. Ferreira, em junho, denunciou o asilado Gerson Parreiras pelo desvio de US$ 2 mil, o que levou a expulsão de Parreiras do Partido Comunista Brasileiro (PCB).
A ACBS, cujas finanças eram controladas pelo PCB, se tornou uma poderosa associação de apoio aos asilados. De fato, com o passar dos anos, a situação financeira dos asilados melhorou sensivelmente.
O Ciex teve acesso ao balanço financeiro de 1972, mostrando que naquele ano a associação gastou cerca de US$ 80 mil em auxílio a 4 mil asilados brasileiros e familiares. Segundo o serviço secreto, a ACBS planejava então comprar uma estação de rádio em Santiago.
Já o ex-governador Miguel Arraes se asilou em Paris e Argel. Informes mostram que o asilado chegou a receber apoio de partidos na Europa e do próprio governo argelino, para quem trabalhou oficialmente como “consultor para América Latina”.
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