Governo esperou cinco meses para começar a agir e identificar irregularidades na produção e comercialização do leite
Mariana Flores e Luciano Pires
A crise do leite só veio à tona na semana passada, mas a baixa qualidade do produto comercializado no país já era conhecida pelo governo, que, no entanto, só tomou as primeiras medidas nos últimos dias. Um documento do Ministério Público Federal prova que desde agosto, dois meses atrás, o órgão já havia constatado irregularidades na mercadoria de uma das cooperativas investigadas pela Polícia Federal, a Casmil. Ontem, o Ministério da Agricultura admitiu que sua rede oficial de laboratórios encontrou 59 amostras suspeitas em todo o Brasil — entre janeiro e agosto deste ano —, que ainda estão sendo investigadas.
Em maio, segundo o ministro Reinhold Stephanes, os ministérios da Agricultura e da Justiça firmaram convênio para apurar denúncias de irregularidades. Apesar dos indícios, os órgãos responsáveis só começaram a agir oficialmente ontem, uma semana após a Polícia Federal desencadear a operação Ouro Branco, que identificou a fraude na produção de leite longa vida na Casmil e em outra cooperativa mineira, a Coopervale. Ao todo, 27 pessoas foram presas em Minas, incluindo dois servidores da Agricultura responsáveis por examinar a produção agropecuária no país.
Stephanes anunciou mudanças na fiscalização do leite para dificultar fraudes. A partir de hoje, os fiscais passam a fazer auditorias nos laticínios de forma aleatória e não mais permanentemente nas principais indústrias. Uma equipe de três fiscais federais agropecuários — dois médicos veterinários e um agente de inspeção sanitária— vai fazer visitas surpresas às empresas, pelo menos uma vez por mês, e devem ficar o tempo suficiente para fiscalizar toda a produção, conforme o ministro. “Sempre terá alguém interessado em burlar. O que estamos fazendo é tentar minimizar”, disse Stephanes, negando que haja falhas no processo.
Análise realizada pelo Laboratório Nacional Agropecuário em Minas Gerais (Lanagro-MG), em agosto, identificou problemas em 50 mil litros de leite da Casmil. De acordo com relatório, encaminhado ao Ministério Público Federal, o produto continha peróxido de hidrogênio (água oxigenada). No laudo, os técnicos indicaram que em pequenas quantidades a ingestão “resulta apenas em moderado efeito gastrintestinal”. O consumo em larga escala, no entanto, “tem sido associado com morbidade e mortalidade severa”.
O leite da cooperativa foi apreendido em uma operação conjunta de órgãos de fiscalização federais e mineiros. A qualidade do leite cru transportado tinha o aval do serviço de inspeção do estado.
Conforme as notas apresentadas pelos motoristas dos caminhões, o produto não continha conservantes.
Além de água oxigenada, porém, os laudos do Lanagro confirmaram a adição de soro ao leite. A análise concluiu que o valor nutricional era baixo porque houve a “destruição de vitaminas A e E”.
A reação tardia do governo foi criticada por entidades de defesa do consumidor. “A demora em tomar uma decisão mostra que o sistema de fiscalização não está nada bom. Uma semana, dependendo da gravidade, pode causar danos sérios à saúde. A inoperância dos órgãos públicos coloca sob suspeita toda a produção de alimentos”, disse a coordenadora institucional da Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Pro Teste), Maria Inês Dolci.
Responsável por acompanhar os produtos que chegam ao consumidor, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou resolução que determina a interdição de nove lotes de três marcas.
A decisão foi tomada na última sexta-feira, um dia depois da divulgação do laudo da PF que constatava alterações no leite, como excesso de acidez, de alcalinidade e de gordura. Os produtos foram adulterados nas cidades mineiras de Uberaba e Passos e eram vendidos por, pelo menos, três empresas (Calu, Parmalat e Centenário). Na sexta-feira, a Vigilância Sanitária do DF interditou 286 litros de leite de lotes que estavam nos supermercados. Na checagem de ontem, não foram encontradas caixas à venda.
Reação atrasada
outubro 30, 2007
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