Com informação nas mãos e instituições funcionando, a sociedade pode colocar limites à promiscuidade entre o Estado e o capital
Por Alon Feuerwerker
A expressão “interesses especiais” surgiu nos Estados Unidos para rotular a força motriz dos negócios que puxam os vagões da política. A eleição presidencial deste ano trouxe o tema para o centro da disputa, desde que o então pré-candidato democrata Barack Obama decidiu dar as costas aos interesses especiais e basear sua arrecadação de campanha apenas (ou principalmente) em doações de pequeno valor, feitas por milhões de pessoas pela internet. A maior adversária dele no partido, Hillary Clinton, optou pelo de sempre: abraçou-se aos interesses especiais. Obama colheu os frutos da escolha dele. Hillary também.
O cidadão comum vê com maus olhos o casamento do poder político com o poder econômico. É razoável essa desconfiança. Em teoria, o poder no regime democrático deve estar pulverizado entre os eleitores. No limite utópico do raciocínio formal, o voto do capitão da indústria ou do banqueiro deve ter o mesmo peso que o voto do operário ou do pequeno lavrador. Formalmente isso é verdade, tanto que de vez em quando se elegem os Obamas.
Mas a vida não é tão simples, e o cidadão comum tanto sabe disso que torce o nariz para os interesses especiais. Uma vez eleitos, os governantes são envolvidos pela teia de ambições e negócios que se articulam em torno do Estado, com o Estado e no Estado. Pouco a pouco, o eventual corpo estranho é absorvido pelos tecidos do poder econômico e passa a operar dentro da lógica preexistente. Do contrário será isolado e expelido, com a provável ajuda daquele mesmo cidadão comum que, com justiça, considera-se marginalizado das grandes decisões.
Ou seja, trata-se de uma equação complexa. Sem articular-se com os vetores econômicos dominantes, nenhum governo convencional consegue colocar a economia nos trilhos. Nem gerar bem-estar em doses suficientes para evitar que o cidadão comum seja atraído às ruas — em geral pelos mesmos interesses especiais de sempre— com o objetivo de enquadrar ou até derrubar o governo. Daí que, dialeticamente, a realidade acabe por transformar em algum grau os que de tempos em tempos se dispõem a transformá-la.
Nesse aspecto, a Operação Satiagraha talvez possa prestar um serviço adicional aos costumes políticos brasileiros, se de fato conseguir remover algumas telas que aqui encobrem a relação entre o Estado e os interesses especiais. Cada um que faça o seu próprio juízo dos acontecimentos, mas que se preserve o essencial: a população tem o direito de conhecer na plenitude como se articulam os vetores privados e públicos no Brasil. Até porque a transparência é uma das poucas defesas da sociedade contra a tendência de que os interesses especiais se transformem em especialíssimos.
Nada há de errado em as empresas e os empresários lutarem pelos seus objetivos junto aos governos. Desde que, naturalmente, nos moldes da lei. Empresários existem para fazer bons negócios. E eventuais crimes de uns não devem ser motivo para que se demonize o conjunto. Tudo isso é fato. Mas é também verdade que, assim como nos Estados Unidos, amadurecem aqui as condições para que interesses especiais aparentemente eternos e inatingíveis sejam colocados em xeque por meio da pressão democrática dos cidadãos.
Não que se devam esperar grandes mudanças por conta disso. Desde que foi ungido candidato democrata, Barack Obama teve que adocicar e diluir o discurso. E o bom governo de Luiz Inácio Lula da Silva não é propriamente um exemplo de ruptura com o statu quo. O importante, entretanto, é que se preserve o mecanismo. Com informação nas mãos e instituições funcionando, a sociedade pode colocar limites à promiscuidade entre o Estado e o capital.
A palavra-chave é informação. Numa democracia, o papel dos jornalistas é fazer circular o máximo de informação relevante possível. Já o das autoridades responsáveis por dados sigilosos é evitar que jornalistas tenham acesso a eles. Banco não faz pãozinho e padaria não vende fiado. Simples assim.
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