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Executivo admite que empresa pagou R$ 1,9 milhão a consultoria ligada a doleiro

Segundo CEO da Jaraguá Equipamentos, consultoria serviu de intermediação para obter contratos com Petrobras


Thiago Herdy | O Globo

SÃO PAULO - O executivo Paulo Roberto Dalmazzo, CEO da Jaraguá Equipamentos, fornecedora da Petrobras, admitiu em entrevista ao GLOBO que os R$ 1,9 milhão pagos a uma empresa de consultoria ligada ao doleiro Alberto Youssef serviram como "intermediação" para a obtenção de quatro contratos com a estatal, que totalizaram R$ 1,1 bilhão. O pagamento é investigado pela Polícia Federal.

Dalmazzo afirma que a empresa pagou por um consultor para “validar os números” da proposta apresentada em licitação, com a promessa de vencê-la, mas disse não saber dizer quem é a pessoa que prestou o serviço, porque não estava na empresa na época dos fatos. Perguntado se é possível que a contratação tenha sido uma forma de pagar propina, como sugere a Polícia Federal, respondeu: "Pode acontecer tudo. Você pode ter que pagar ou guardar para livrar seus pontos da carteira. Esse é o Brasil de hoje. Entendeu? Eu posso responder pelos meus atos; pelos dos outros, não posso”.

Há dez anos atuando no setor, ex-diretor do estaleiro de Inhaúma, no Rio de Janeiro, e ex-presidente de Óleo e Gás da Andrade Gutierrez, o executivo afirma que durante sua carreira sempre tratou diretamente com Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras que está preso, mas nega que em algum momento ele tenha lhe pedido “qualquer coisa”. Disse acreditar ser possível trabalhar como fornecedor da Petrobras sem ter que pagar "consultoria", mas afirmou reconhecer que a empresa tem “um lado podre, como tem em qualquer instituição onde tem o bicho homem”.

O executivo revelou que a Jaraguá está com dívidas de R$ 500 milhões e tenta se recuperar depois de sofrer graves erros de gestão da diretoria anterior, que envolvem inclusive a precificação dos quatro contratos com a Petrobras, que teriam custo mais elevado do que o proposto na concorrência. “Você acha que uma empresa que não está bem pode ter tido algum benefício? Acho que não”, afirmou. Ele criticou, também, “a mão do governo” na gestão da Petrobras. E disse que empresas doam a políticos e partidos para influenciar a agenda legislativa.

Quando a Jaraguá contratou a MO Consultoria?

Lá atrás, antes das licitações. O forte da Jaraguá sempre foi o desenvolvimento de projeto e fabricação de equipamentos pesados para Petrobras ou seus subcontratados (a Petrobras responde por 86% da carteira). Quando começou a entrada de novos "players" por conta do pré-sal, veio a consultoria e disse o seguinte: vocês são fornecedores de equipamentos, porque não entra no EPC (situação em que empresas oferecem serviços de engenharia, suprimentos e construção de forma integrada)? A gente nunca tinha feito aquilo. Por que entrou a consultoria? Achando que iriam nos ajudar a estruturar orçamento para ganhar projeto. E ganharam, mas com preço inexequível. A consultoria foi de R$ 1,9 milhão. Em relação ao projeto de quatro contratos que totalizam R$ 1,177 bilhão, isso não é nada. É menos do que custa uma proposta.

Qual foi o papel da consultoria?

Ajuda nessa conexão para sermos "EPCista". Era uma consultoria de intermediação de negócio. Precisava? Se eu estivesse lá, eu digo que não. Você não precisava ter ninguém intermediando algo. Mas em terra de cego, quem tem um olho é rei. Venderam isso internamente, como uma consultoria tornaria mais fácil o projeto de ganhar uma refinaria.

Foi para intermediar o contrato ou houve um corpo de funcionários da consultoria prestando serviços?

Não era uma consultoria de engenharia, foi uma consultoria comercial. Uma pessoa ajudou na finalização da proposta. A validar os números da proposta para dizer: essa proposta vai ser a ganhadora. Mas foi ganhadora num preço extremamente ruim.

Quem foi o consultor?

Eu não sei.

A PF afirma que eles são uma consultoria de fachada e vocês contrataram essa empresa...

Não sou obrigado a saber quem é o dono da empresa. Você pode comprar um bar, e você pode estar dentro de um bar, e ele pertence a um doleiro. E você comeu lá. A empresa está ativa no seu CNPJ? Sua constituição foi anterior ao nosso projeto? Foi. Isso a gente tem lá como provar. Não sou agente fiscalizador, não tenho prerrogativa de polícia ou Receita Federal para saber se estou comprando de um bandido ou não. Isso é o agente fiscalizador que tem que saber.

O sr. poderia descrever da forma mais detalhada possível como foi prestada a consultoria?

Foi de intermediação de negócio, e nesse negócio eles tinham a única prerrogativa de validar um preço final para nossa proposta. Ponto. Isso pode ter sido um dia, dois dias. Não estava lá, não posso falar.

Era uma exigência formal para participar da concorrência?

Não, fomos nós que contratamos.

Contrataram mais de uma empresa para isso?

Apenas essa.

A PF diz que não havia serviço a ser prestado, você não teve curiosidade de saber quem foi?

Eu não estava lá.

Não teve curiosidade de saber disso?

Agora? A imprensa está dizendo.

A imprensa fala sobre pagamento de propina para agentes políticos, é uma hipótese possível?

Se você está dizendo que existe essa prerrogativa, não posso falar, não conheço os autos.

Mas isso pode ter acontecido?


Pode acontecer tudo. Você pode ter que pagar o guarda para livrar os pontos da carteira de motorista, esse é o Brasil de hoje. Posso responder pelos meus atos; pelos atos dos outros, não posso.

Procurou saber pelos executivos anteriores?

Estão todos demitidos. Se eu tivesse lá, jamais teria feito isso. Eu não vejo a necessidade de ter uma pessoa… a decisão é empresarial. O dono que diz se vou ou se não vou por esse preço. A maioria de executivos que conheço nas outras empresas querem dividir, para não ficar na responsabilidade de um só. Eles estavam entrando em um mercado novo, não tinham culhão para dizer “é nossa prerrogativa de entrar nisso”, e contrataram uma consultoria. E caíram nisso.

É possível ser fornecedor da Petrobras sem ter que pagar esse tipo de consultoria?

É possível. A Petrobras, diferentemente do que falam, é uma empresa que logicamente tem um lado podre, como tem em qualquer instituição onde tem o bicho homem. Onde existe muito dinheiro, existe ego, você tem um lado bom e um lado ruim. Você tem que me perguntar: você conhece o lado bom e o lado ruim? Não. Eu sempre tento ir pelo caminho… sempre lidei com pessoas muito diretas, a gente sempre fez um bom trabalho na parte de precificação para entrar na competição. Se me perguntar: você já pagou alguém? Não, nunca paguei a ninguém.

Soube de outros que venceram pagando?

Não posso falar em nome dos outros.

Você conhecia Paulo Roberto Costa (ex-diretor da Petrobras, atualmente preso)?

Há muitos anos. Conhecia Paulo, Nestor (Ceveró, ex-diretor da Petrobras), todos, porque eu fazia essa função. Eu lidava com eles diretamente. Mas se você me perguntar se o Paulo alguma vez me pediu alguma coisa, eu digo que não.

Paulo é sócio em contas, no exterior, do doleiro Alberto Youssef, que é dono dessa empresa de consultoria. É possível que o dinheiro dessa consultoria que vocês pagaram tenha sido destinado a ele?

Não posso dizer. Vi na imprensa que existem gravações dele (Youssef) distribuindo dinheiro, é o nosso dinheiro ou de outra empresa? É o total? Não sei. Se você fizer a conta, existem valores que são exorbitantes. Agora R$ 1,9 milhão que foram pagos pela consultoria, em relação ao todo, é nada em relação à divisão (planilha aprendida pela PF fala em R$ 34,7 milhões pagos à empresa de consultoria). Vale ressaltar que o sr. Paulo estava lá por três partidos políticos: PP, PT e PMDB. Perguntaram pra dona Dilma, por que puseram ele lá? A presidente tá aí. Ela falar que não sabia de Pasadena? Seu Jorge Gerdau deu uma declaração de que ele leu. Seu Eduardo Barbosa deu uma declaração de que ele leu. Cláudio Haddad deu declaração de que leu.

Eles dizem que leram o resumo, não leram o contrato.

Você é presidente do Conselho, você lê o resumo? Eu, se for assinar alguma coisa, eu acho que tenho obrigação de ler tudo, como presidente.

A Jaraguá doou R$ 5,5 milhões a diversos partidos nas eleições de 2010 e também fez contribuições a partidos fora de campanha. De onde veio a decisão de fazer doações?

Em empresa grande, as sugestões vêm dos executivos, os executivos falam por seu negócio, que é importante ter uma emenda (em projeto legislativo). O Brasil é isso. A política é isso. Você vai defender o que é seu, isso é no mundo inteiro. Eu faço vaso de pressão, não quero que um outro fornecedor entre aqui. Eu tenho que me resguardar politicamente, botar lá na Fiesp, trazer emenda no Planalto para elevar taxas de importação, isso é política. Os executivos falam: acho importante doar para o PT, para o PP, para o PSDB. Nossas doações eram para a “central" de um partido, que crime tem isso? Estamos dizendo que estamos a favor do governo e queremos o apoio.

Ao doar recursos para partidos, a empresa esperava obter algum tipo de vantagem em contratos da Petrobras?

Negativo.

Alguém da Petrobras pode ter apresentado a consultoria para vocês?

Não sei.

Com sua experiência de mercado, você já tinha ouvido falar dessa consultoria alguma vez?

Dessa consultoria, não. De outras, sim. Existem pessoas que se aposentaram da Petrobras e são totalmente hábeis a abrir sua consultoria pelo conhecimento que têm.

A empresa tem interesse em identificar outros pagamentos suspeitos que podem ter sido feitos?

Sim, estamos analisando tudo. Até o momento não peguei nada, mas existe uma desorganização financeira enorme dentro da empresa. Não contratei uma auditoria, porque não temos dinheiro para pagar.

A lógica de precisar de intermediação para realização de negócios, que pode até ser normal na iniciativa privada, deveria ser seguida também em empresas públicas?

A Petrobras não é empresa pública. Ela é publico-privada, ela tem capital aberto. Ela deveria ser menos engessada e deveria ter menos a mão do governo.

Mas ela tem, é grande a mão do governo…

Ela tem, mas não deveria. Não se esqueça que você tem as subsidiárias dela. Por que vão bem? Porque não têm a mão do governo em cima. O prejuízo sempre vai pra cima da empresa-mãe.

Por que a mão do governo causa prejuízo na Petrobras?

Porque o governo não sabe gerir nada. Olha o que está acontecendo com a Vale. Tem a mão do governo aí. É uma empresa privada que o governo resolveu por a mão. Roger Agnelli saiu da companhia. Por quê? A força da máquina é inevitável. Tá certo ou tá errado, para mim, como brasileiro e como acionista da Petrobras, eu acho um absurdo. Você importar combustível em país que não tem estrada para rodar.

A mão do governo é prejudicial por eventual incompetência de gestão ou pelo risco de uso político daquilo?

Pelos dois.

O uso político ocorre?

Ocorre, você está vendo na imprensa. A partir do momento em que você tem os diretores sendo indicados pelas bancadas, o que é público, a própria presidente assume isso, existe a mão do governo, para ter a opção do controle. Acham que aqueles diretores ali vão estar na defensiva do governo. E, infelizmente, estão. A Graça é extremamente técnica, mas se a presidente falar para ela fazer uma coisa, ela vai fazer. Tá errado? Não, porque ela foi uma cria da presidente.

Qual é o peso da corrupção no setor de óleo e gás no Brasil?

A gente tem que falar no setor de Brasil. O Brasil foi feito para dar errado, pena que dá certo (em tom de ironia). Você começa com sua empregada que já te passa pra trás na conta do pão. Então, o país foi feito para dar errado. É um querendo tirar proveito do outro, a cadeia está contaminando, o Brasil está contaminado pela "lei de Gerson", a lei do (mais) esperto.

E se não jogar esse jogo, você morre?

Eu acho que morre. Sinceramente falando.


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