ÉPOCA teve acesso ao baú digital de documentos do ex-diretor da Petrobras. Um só caso envolve a maior empresa de navios do mundo e uma suspeita de desvio de R$ 6 milhões
DIEGO ESCOSTEGUY, COM MARCELO ROCHA | ÉPOCA
No dia 20 de março, a Polícia Federal apreendeu dezenas de papéis e 36 pen drives no apartamento do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, no Rio de Janeiro. Ele fora o mais poderoso executivo da estatal no governo Lula. Ocupara, com o aval de Lula e de um consórcio partidário entre PP, PMDB e PT, a Diretoria de Abastecimento, entre 2004 e 2012. Naquele dia, a PF buscava provas da relação de Paulo Roberto com o doleiro Alberto Youssef, investigado na Operação Lava Jato. Assim que os policiais encontraram os documentos e os pen drives, Paulo Roberto entrou em pânico. Quando Youssef fora preso, dias antes, ele determinara a familiares que sumissem com documentos, computadores, outros pen drives – qualquer prova que pudesse incriminá-los. Por tentar obstruir a investigação da PF, Paulo Roberto permanecia preso até a semana passada.
Sobravam razões para o pânico de Paulo Roberto. Elas estão na íntegra do material apreendido pela PF naquele dia. O que já veio a público sobre ele é devastador: tabelas de propina, pagamentos suspeitos de empreiteiras e multinacionais com negócios na Petrobras, contas secretas em paraísos fiscais. Os pen drives e os demais arquivos digitais de Paulo Roberto apreendidos pela PF, contudo, permanecem inéditos. ÉPOCA obteve acesso à íntegra desse material – e aos milhares de arquivos da investigação da Lava Jato. São cerca de 4 terabytes. Equivalem a 1 milhão de músicas ou 4 mil horas de vídeo. Há toda sorte de documento. A maioria converge para o mesmo tema: corrupção na Petrobras e em suas subsidiárias. O exame desse acervo demonstra que o esquema era mais amplo, mais rico e envolvia mais empresas – brasileiras e estrangeiras – do que se imaginava.
Nesta edição, ÉPOCA conta um dos casos inéditos de suspeita de corrupção. Ele está fartamente detalhado, em dezenas de planilhas, contratos de gaveta e notas fiscais, num dos pen drives apreendidos pela PF. Expõe os métodos empregados por Paulo Roberto e sua turma para ganhar dinheiro na Petrobras. O caso envolve a gigante dinamarquesa Maersk, dona de uma frota com mais de 600 navios e faturamento anual de US$ 27 bilhões. É a maior empresa de transporte de petróleo do mundo. A Maersk atende a Petrobras há muito tempo. Recentemente, fechou um contrato de US$ 300 milhões para fornecer quatro navios. Outros 12 navios servem à Petrobras atualmente. De acordo com os documentos apreendidos, a Maersk pagou ao menos R$ 6,2 milhões de “comissão”, entre 2006 e 2010, para alugar navios à Petrobras. A área era então comandada por Paulo Roberto. O valor da comissão equivale a 1,25% de cada carga da Petrobras transportada nos navios da Maersk. De cada pagamento feito pela Petrobras à Maersk, segundo a PF, 1,25% era devolvido a Paulo Roberto na forma de propina.
Para receber a comissão, Paulo Roberto fechou, em 2006, um contrato secreto com a Maersk. Como fazia em outros negócios, colocou na transação um parceiro: Wanderley Gandra. Não era apenas um parceiro de negócios. Gandra jogava buraco em mesas organizadas por Paulo Roberto. Eram amigos. Pelo contrato, uma empresa ligada à Maersk se comprometia a pagar a comissão de 1,25% a Gandra, por carga transportada no navio DS Performer. Outros 1,25% deveriam ser pagos à Maersk do Brasil, subsidiária da empresa dinamarquesa. Nos anos seguintes, contratos semelhantes foram fechados.
O dinheiro da comissão, segundo os documentos, era transferido da Dinamarca para uma conta no Brasil de uma empresa de Gandra. Houve pagamentos no afretamento de, ao menos, 11 navios da Maersk. Na contabilidade prestada por Gandra a Paulo Roberto, todos os valores eram sacados “como lucro”. “Importante frisar que 100% das receitas (da empresa de Gandra) tiveram origem na cobrança de comissões de 1,25% sobre afretamento de navios, indicando que a Gandra Brokerage foi criada somente para receber essas comissões”, diz o relatório da PF.
A investigação desse caso, assim como de todos os demais que envolvem a Petrobras, está suspensa desde domingo passado. Naquele dia, o ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal (STF), ordenou que a Justiça Federal do Paraná parasse imediatamente as oito ações penais da Lava Jato e enviasse todos os processos ao STF. Determinou ainda que fossem soltos os 12 réus que aguardavam presos seus julgamentos. A justificativa de Teori: como a investigação cita três parlamentares, detentores, portanto, da prerrogativa de ser julgados pelo Supremo, apenas o STF pode decidir o que fazer com o caso. Segundo a decisão de Teori, o juiz federal Sérgio Moro, que toca a Lava Jato, usurpara a autoridade do Supremo ao manter a investigação, mesmo depois de a polícia deparar com os parlamentares. Na segunda-feira, Moro soltou Paulo Roberto. Ele saiu da prisão sorrindo. Correndo o risco de receber uma censura, Moro pediu a Teori esclarecimentos sobre o alcance da decisão. Avisou que entre os presos havia traficantes e gente com dinheiro no exterior, capaz de fugir facilmente do país – caso também de Paulo Roberto. Teori voltou atrás. Mandou manter presos todos os que se enquadrassem nessas condições, menos Paulo Roberto.
Gandra, um ex-piloto de helicóptero que prestava serviços à Petrobras, afirma que a intermediação de contratos da Petrobras com a Maersk é uma “coisa perfeita, absolutamente normal”. “O que tem de errado? A empresa paga todos os impostos.” Ele disse ter sido o responsável por trazer a Maersk para o Brasil. “Expliquei que o Brasil tinha potencial muito grande.” Sobre as planilhas apreendidas com Paulo Roberto, Gandra diz: “Não sei, não sei. Não entreguei nada a ele. Nunca repassei dinheiro a ele. Perguntei a ele (Paulo Roberto) como poderia participar de concorrências de fretamento da Petrobras. Mas não como informação privilegiada, só como orientação.” E como os documentos do negócio foram parar no pen drive de Paulo Roberto? “Acho que mandei por engano para ele. Nós jogamos buraco, e a gente manda a tabela... quem ganhou, quem perdeu. Devo ter mandado o e-mail errado para ele, no lugar da tabela.”
O advogado de Paulo Roberto Costa, Nélio Machado, diz que ainda não teve condições de conversar com seu cliente sobre detalhes das investigações da Lava Jato. Afirma, no entanto, estar seguro de que, no momento correto, Paulo Roberto dará todas as explicações sobre o período em que foi diretor da Petrobras. Procurada, a Maersk não respondeu ao contato de ÉPOCA. Em seu site, a empresa afirma trabalhar “contra toda e qualquer forma de corrupção e em conformidade com a legislação. É nossa política que nenhum funcionário – seja por contrato direto ou por meio de terceirizações – poderá participar de qualquer forma de prática corrupta, incluindo suborno, propina e extorsão. Temos o compromisso de trabalhar de maneira eficiente, com o objetivo de eliminar pagamentos de facilitação, em conformidade com normas internacionais pertinentes”.
No dia 20 de março, a Polícia Federal apreendeu dezenas de papéis e 36 pen drives no apartamento do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, no Rio de Janeiro. Ele fora o mais poderoso executivo da estatal no governo Lula. Ocupara, com o aval de Lula e de um consórcio partidário entre PP, PMDB e PT, a Diretoria de Abastecimento, entre 2004 e 2012. Naquele dia, a PF buscava provas da relação de Paulo Roberto com o doleiro Alberto Youssef, investigado na Operação Lava Jato. Assim que os policiais encontraram os documentos e os pen drives, Paulo Roberto entrou em pânico. Quando Youssef fora preso, dias antes, ele determinara a familiares que sumissem com documentos, computadores, outros pen drives – qualquer prova que pudesse incriminá-los. Por tentar obstruir a investigação da PF, Paulo Roberto permanecia preso até a semana passada.
Sobravam razões para o pânico de Paulo Roberto. Elas estão na íntegra do material apreendido pela PF naquele dia. O que já veio a público sobre ele é devastador: tabelas de propina, pagamentos suspeitos de empreiteiras e multinacionais com negócios na Petrobras, contas secretas em paraísos fiscais. Os pen drives e os demais arquivos digitais de Paulo Roberto apreendidos pela PF, contudo, permanecem inéditos. ÉPOCA obteve acesso à íntegra desse material – e aos milhares de arquivos da investigação da Lava Jato. São cerca de 4 terabytes. Equivalem a 1 milhão de músicas ou 4 mil horas de vídeo. Há toda sorte de documento. A maioria converge para o mesmo tema: corrupção na Petrobras e em suas subsidiárias. O exame desse acervo demonstra que o esquema era mais amplo, mais rico e envolvia mais empresas – brasileiras e estrangeiras – do que se imaginava.
Nesta edição, ÉPOCA conta um dos casos inéditos de suspeita de corrupção. Ele está fartamente detalhado, em dezenas de planilhas, contratos de gaveta e notas fiscais, num dos pen drives apreendidos pela PF. Expõe os métodos empregados por Paulo Roberto e sua turma para ganhar dinheiro na Petrobras. O caso envolve a gigante dinamarquesa Maersk, dona de uma frota com mais de 600 navios e faturamento anual de US$ 27 bilhões. É a maior empresa de transporte de petróleo do mundo. A Maersk atende a Petrobras há muito tempo. Recentemente, fechou um contrato de US$ 300 milhões para fornecer quatro navios. Outros 12 navios servem à Petrobras atualmente. De acordo com os documentos apreendidos, a Maersk pagou ao menos R$ 6,2 milhões de “comissão”, entre 2006 e 2010, para alugar navios à Petrobras. A área era então comandada por Paulo Roberto. O valor da comissão equivale a 1,25% de cada carga da Petrobras transportada nos navios da Maersk. De cada pagamento feito pela Petrobras à Maersk, segundo a PF, 1,25% era devolvido a Paulo Roberto na forma de propina.
Para receber a comissão, Paulo Roberto fechou, em 2006, um contrato secreto com a Maersk. Como fazia em outros negócios, colocou na transação um parceiro: Wanderley Gandra. Não era apenas um parceiro de negócios. Gandra jogava buraco em mesas organizadas por Paulo Roberto. Eram amigos. Pelo contrato, uma empresa ligada à Maersk se comprometia a pagar a comissão de 1,25% a Gandra, por carga transportada no navio DS Performer. Outros 1,25% deveriam ser pagos à Maersk do Brasil, subsidiária da empresa dinamarquesa. Nos anos seguintes, contratos semelhantes foram fechados.
O dinheiro da comissão, segundo os documentos, era transferido da Dinamarca para uma conta no Brasil de uma empresa de Gandra. Houve pagamentos no afretamento de, ao menos, 11 navios da Maersk. Na contabilidade prestada por Gandra a Paulo Roberto, todos os valores eram sacados “como lucro”. “Importante frisar que 100% das receitas (da empresa de Gandra) tiveram origem na cobrança de comissões de 1,25% sobre afretamento de navios, indicando que a Gandra Brokerage foi criada somente para receber essas comissões”, diz o relatório da PF.
A investigação desse caso, assim como de todos os demais que envolvem a Petrobras, está suspensa desde domingo passado. Naquele dia, o ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal (STF), ordenou que a Justiça Federal do Paraná parasse imediatamente as oito ações penais da Lava Jato e enviasse todos os processos ao STF. Determinou ainda que fossem soltos os 12 réus que aguardavam presos seus julgamentos. A justificativa de Teori: como a investigação cita três parlamentares, detentores, portanto, da prerrogativa de ser julgados pelo Supremo, apenas o STF pode decidir o que fazer com o caso. Segundo a decisão de Teori, o juiz federal Sérgio Moro, que toca a Lava Jato, usurpara a autoridade do Supremo ao manter a investigação, mesmo depois de a polícia deparar com os parlamentares. Na segunda-feira, Moro soltou Paulo Roberto. Ele saiu da prisão sorrindo. Correndo o risco de receber uma censura, Moro pediu a Teori esclarecimentos sobre o alcance da decisão. Avisou que entre os presos havia traficantes e gente com dinheiro no exterior, capaz de fugir facilmente do país – caso também de Paulo Roberto. Teori voltou atrás. Mandou manter presos todos os que se enquadrassem nessas condições, menos Paulo Roberto.
Gandra, um ex-piloto de helicóptero que prestava serviços à Petrobras, afirma que a intermediação de contratos da Petrobras com a Maersk é uma “coisa perfeita, absolutamente normal”. “O que tem de errado? A empresa paga todos os impostos.” Ele disse ter sido o responsável por trazer a Maersk para o Brasil. “Expliquei que o Brasil tinha potencial muito grande.” Sobre as planilhas apreendidas com Paulo Roberto, Gandra diz: “Não sei, não sei. Não entreguei nada a ele. Nunca repassei dinheiro a ele. Perguntei a ele (Paulo Roberto) como poderia participar de concorrências de fretamento da Petrobras. Mas não como informação privilegiada, só como orientação.” E como os documentos do negócio foram parar no pen drive de Paulo Roberto? “Acho que mandei por engano para ele. Nós jogamos buraco, e a gente manda a tabela... quem ganhou, quem perdeu. Devo ter mandado o e-mail errado para ele, no lugar da tabela.”
O advogado de Paulo Roberto Costa, Nélio Machado, diz que ainda não teve condições de conversar com seu cliente sobre detalhes das investigações da Lava Jato. Afirma, no entanto, estar seguro de que, no momento correto, Paulo Roberto dará todas as explicações sobre o período em que foi diretor da Petrobras. Procurada, a Maersk não respondeu ao contato de ÉPOCA. Em seu site, a empresa afirma trabalhar “contra toda e qualquer forma de corrupção e em conformidade com a legislação. É nossa política que nenhum funcionário – seja por contrato direto ou por meio de terceirizações – poderá participar de qualquer forma de prática corrupta, incluindo suborno, propina e extorsão. Temos o compromisso de trabalhar de maneira eficiente, com o objetivo de eliminar pagamentos de facilitação, em conformidade com normas internacionais pertinentes”.
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