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Político corrupto que gasta mais, amplia chance de ser eleito

Fábio Vasconcellos | O Globo

O recente caso de corrupção envolvendo diretores da Petrobras, empresários e, segundo informações vazadas dos depoimentos, com a possível participação de políticos reacendeu o debate sobre os efeitos dos desvios éticos na consolidação da democracia no Brasil. Entre os inúmeros impactos da corrupção um, certamente, tem a ver com o risco da dissociação entre eleitores e o campo político. Um certo ar de descrédito tornaria ainda mais frágil a necessária conexão entre representante e representado.

Mas os escândalos políticos, tidos até certo ponto como um momento de depuração política, podem também reduzir as chances de os envolvidos serem eleitos ou reeleitos. O eleitor informado pode punir esses candidatos, produzindo um efeito positivo sobre o sistema político. Por vias tortas, portanto, essa seria uma forma de fortalecimento da própria democracia representativa.

Um estudo produzido pelos cientistas políticos Marcus André Melo (UFPE), Lúcio Rennó (UNB) e o doutorando Ivan Jucá (University of Minnesota), contudo, encontrou evidências de que essas relações não são tão diretas como se imagina. O gasto com campanha eleitoral, por exemplo, pode simplesmente minar o efeito negativo sobre a reputação dos candidatos envolvidos em escândalos, ampliando as suas chances de vitória eleitoral.

Information, corruption and reelection in the Brazilian Chamber of Deputies foi apresentado no encontro anual da Associação Internacional de Ciência Política, realizado em agosto em Washington. De acordo com a pesquisa, que analisou as eleições para a Câmara dos Deputados no Brasil em 1998, 2002, 2006 e 2010, candidatos envolvidos em escândalos perdem voto. Em 2006, por exemplo, a perda média chegou a 16 mil votos, já em 2010, foi de 48 mil. Esse seria um sinal claro de que os eleitores têm interesse em punir políticos corruptos. Esse efeito acontece quanto mais próximo do período eleitoral ocorrer o escândalo e também quanto maior for o volume de informações sobre a participação dos candidatos num escândalo.

Os pesquisadores notaram ainda que outro componente interfere nessa relação. O efeito da perda de votos desaparece quanto maior for o gasto dos políticos corruptos com suas campanhas eleitorais. Ainda não está muito claro como se dá essa relação. Outro estudo desenvolvido no Brasil já havia demonstrado que, no caso dos prefeitos corruptos, a chance de reeleição aumentava quando ele aplicava mais recursos na área social. Uma leitura do "rouba, mas faz" na versão "rouba, mas distribui".

Em suma, no caso da eleição de deputados, é como se estivéssemos em uma ciranda: os esquemas de corrupção que geram recursos financeiros contribui para a manutenção de candidatos corruptos na Câmara via altos gastos de campanha. Para esse político, portanto, participar de novos casos de corrupção seria quase como uma necessidade de sobrevivência. O Blog conversou com Marcus André Melo para entender um pouco mais os resultados da pesquisa e abordar alguns assuntos relacionados a esse tema.

No estudo, vocês concluem que o brasileiro é capaz de punir candidatos corruptos. Ou seja, esses candidatos tendem a perder voto quando estão envolvidos em escândalos. Contudo, o gasto na campanha anulou esse efeito. Poderia explicar melhor essa relação?

Marcus André Melo: Encontramos sim um efeito negativo importante do envolvimento em escândalo sobre a probabilidade de reeleição em 2002 e 2006. Para estimar esse efeito levamos em conta, controlamos no jargão estatístico, outros fatores que possam afetar o sucesso eleitoral tais como o financiamento de campanha, número e valor de emendas ao orçamento executadas, o capital político expresso pelos votos anteriormente obtidos, idade, número de mandatos, etc. Isso é consistente com a ideia não só de memória curta, mas também que é necessário um choque informacional – um tsunami de informações, como ocorreu no caso do mensalão e está ocorrendo com o petrolão – para que o eleitor leve em conta corrução no sua decisão de voto. O mais perverso é que o efeito médio do custo reputacional desaparece quando o gasto de campanha atinge um determinado patamar (cerca de 350 mil em 2006). Em uma pesquisa com Carlos Pereira sobre prefeitos envolvidos em corrupção, o custo reputacional desaparece quando o prefeito tem gasto social elevado. Ou seja, quando rouba mas redistribui. Mas o efeito negativo só se dá quando a informação é divulgada em ano eleitoral; nos anos anteriores não há impacto. Ou seja, a memória é curta!

Se o dinheiro anula os efeitos negativos da corrupção sobre um candidato, dinheiro e política formam uma combinação com impacto corrosivo sobre a crença do cidadão a democracia, não?

Melo: Essa é uma discussão que está ocorrendo em vários países mas é importante destacar que no caso brasileiro não estamos falando apenas de influência do dinheiro na política mas de corrupção numa escala ciclópica. Nos EUA o debate se intensificou muito a partir de pesquisas feitas por Bartels, Bonica, Poole e Rosenthal etc que mostram que a percentagem das doações dos 1% mais ricos que representavam menos de 10% do total de doações de campanha antes de 1980 se elevou a mais cerca de metade do total. Estamos falando aqui de doações legais. De qualquer maneira, no país mais rico do mundo, os EUA, o maior doador, Sheldon Adelson, doou US$ 56 milhões. No Brasil, cuja renda per capita é 22% da americana, a Friboi fez doações superiores a RS 200 milhões. A nossa tarefa é dupla: reduzir a influência do dinheiro na política e acabar com a corrupção.

Estamos novamente assistindo a mais um caso de corrupção com desdobramentos, ao que se sabe, sobre o Congresso. Há notícias de que ao menos 70 deputados estariam envolvidos nesse caso. Apesar dos seus defeitos, a democracia permite maior transparência, punição de corruptos e criação de sistemas de controle. Mas a impressão para o cidadão comum é que a democracia impulsiona a corrupção. Como sair dessa ciranda?

Melo: O paradoxo que a democracia pode produzir mais “corrupção observada” em contraposição a ”corrupção real” é confirmado por uma análise econométrica com 104 países por Rock. A democracia de fato fortalece as instituições de controle e a mídia pode levar, no curto prazo, a um número maior de autuações porque o efeito de inibição só ocorre quando a expectativa de punição é internalizada pelos agentes políticos e econômicos. No médio prazo, o efeito inibição aparece a partir da credibilidade e certeza de sanções. Democracia e liberdade de imprensa caminham juntas. Mill já dizia que toda a imprensa deveria estar nas mãos da oposição senão haveria conluio e não controle. Imprensa boa não é apartidária, é de oposição. Mas obviamente dentro da ordem legal. No Global Corruption Barometerde 2011, o Brasil foi o país onde a mídia foi escolhida como a instituição mais confiável no combate à corrupção, com 37% dos participantes escolhendo a mídia dentre todas as instituições, a maior porcentagem dentre todos os países da amostra! Isso em um universo de 99 países. Para se ter uma ideia: os números correspondentes do Chile, da Argentina e do México foram de 11%, 24% e 16%. Definitivamente, no Brasil, corruptos não gostam da mídia, mas os cidadãos sim. Um dos temas da possível reforma política a ser discutida pelo Congresso a partir do ano que vem diz respeito à forma de financiamento das campanhas.

O trabalho de vocês sugere que menos gasto reduziria a chance de o corrupto ser reeleito. Esse é um forte argumento a favor do fim do financiamento das campanhas por empresas, como o STF deve julgar em breve. Essa pode ser uma saída interessante?

Melo: É essencial limitar as doações mas o mais importante é de fato controlar a corrupção. A ideia que a corrupção deriva das regras instituições, do presidencialismo de coalizão ou da representação proporcional de lista aberta etc, é uma tentativa de blame-shifting dos envolvidos em falcatruas. É preciso introduzir limites, mas não proibir o financiamento privado. A questão que permanece é que quando se limitar o financiamento privado, os partidos ou partidos que ocuparem o poder terão um monopólio sobre recursos que podem ser mobilizados para campanhas como, por exemplo, as empresas públicas, as verbas publicitárias, a máquina administrativa, o poder de nomear e demitir. Será criada uma assimetria importante entre governo e oposição, independentemente de quem ocupe o cargo, e aí a tarefa de se controlar o governo será redobrada.

Em tese, podemos dizer que o político corrupto tem mais incentivos para participar de futuros esquemas de corrupção porque ele é bastante dependente de altos recursos para gastar na campanha e se manter no poder?

Melo: O mercado eleitoral no Brasil tem um das “barreiras à entrada” mais altas dentre as democracias atuais. Porque o custo é tão elevado? Porque a taxa de retorno é muita alta. Os salários e benefícios são os mais elevados do mundo e o acesso a recursos públicos não tem paralelo. Taylor Boas e Hidalgo, com uma base de dados de todas as empresa construtoras que doaram recursos, estimaram que uma doação a um deputado federal do PT gera um retorno em obras para as empreiteiras de 1.400%, em 4 anos. Por que a taxa de retorno é tão alta? Devido à debilidade dos controles e também porque o estado é muito grande. A taxa de retorno do investimento político só se reduzirá quando os custos dos desvios se elevarem, quando as sanções ao comportamento corrupto impactarem o retorno do investimento em corrupção. Reduzir o estado não é um objetivo desejável. Se um político não puder mais se locupletar no cargo, ou a probabilidade de ser punido for elevada quando o fizer, só um número de pessoas com baixa aversão ao risco, sabe-se que os batedores de carteira comuns têm esse perfil, incorrerão em práticas corruptas. O retorno esperado então se reduzirá. Não é com mudança na regra eleitoral que se vai obter isso. As regras eleitorais eventualmente podem ter um impacto sobre este custo, mas os efeitos de mudanças nas regras não são exatamente previsíveis.



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