País recebe índice elevado pela primeira vez, mas ainda sofre com problemas básicos
Rodrigo Craveiro
O povo brasileiro ganha mais e vive mais, embora ainda enfrente problemas típicos de países subdesenvolvidos. As conclusões são do Relatório de Desenvolvimento Humano 2007/2008, intitulado Combate à mudança do clima: solidariedade humana em um mundo dividido. Pela primeira vez, o lançamento mundial do documento do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) ocorreu no Brasil, em Brasília. Também pela primeira vez o país ascendeu ao seleto rol das nações de desenvolvimento humano elevado, ao atingir a barreira de 0,8 no índice de desenvolvimento humano (IDH), que varia de zero a um.
No entanto, o Brasil foi ultrapassado por Albânia (0,801) e Arábia Saudita (0,812), caindo da 69ª para a 70ª colocação, entre 177 nações — 70 de alto desenvolvimento humano, 85 na categoria média e 22 na baixa. A ilha caribenha de Dominica, que estava à frente do Brasil em 2006, perdeu duas posições.
Nos dois extremos do ranking, estão Islândia (0,968) e Serra Leoa (0,336). A solenidade de lançamento no Palácio do Planalto reuniu o presidente Luiz Inácio Lula da Silva; o turco Kemal Dervis, administrador do Pnud e subsecretário-geral da ONU; o britânico Kevin Watkins, principal autor do relatório; a secretária de Estado de Cooperação Internacional da Espanha, Leire Pajín; e parte da cúpula do governo.
Para atingir o índice histórico, o Brasil se beneficiou de três indicadores. O aumento do poder de compra da população teve papel importante. Entre 2004 e 2005, a renda per capita do brasileiro subiu de US$ 8.325 para US$ 8.402, um aumento efetivo de US$ 77. “A expectativa de vida cresceu de 70,8 para 71,7 anos, graças a uma revisão (ajuste) na taxa de incidência da Aids, com a queda de mortalidade da doença em 62 países”, explicou Flávio Comim, assessor especial do Pnud.
Como o relatório não adotou o recálculo do Produto Interno Bruto (PIB) feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o IDH real pode ser maior que 0,800. Além disso, a revisão nos dados da educação de 2004/2005 também não foi usada. “A tendência é a de que os índices melhorem com a inclusão dos números mais recentes”, reconheceu Comim.
Ainda assim, o Brasil conseguiu avanços apenas modestos na área educacional. A taxa de matrícula (brasileiros de 6 a 22 anos na escola) cresceu, de 85,7% para 87,5%, mas a taxa de alfabetização se manteve estável em 88,6%. A matrícula na pré-escola ainda é considerada muito baixa (63%). “Nos últimos 15 anos, o país teve um crescimento harmônico, em todas as dimensões do IDH, com um salto notável de 20 pontos na taxa de matrícula”, lembrou o analista.
Entre 1990 e 2005, a expectativa de vida subiu mais que cinco anos e meio, e o PIB per capita cresceu em um sexto.
Uma análise dos 69 países à frente do Brasil demonstra que o otimismo deve dar lugar à cautela. Argentina (38º, com 0,869), Chile (40º, com 0,867) e Uruguai (46º, com 0,852) apresentam há décadas desempenho melhor que o brasileiro. Até mesmo Costa Rica (0,846), Tonga (0,819), Trinidad e Tobago (0,814) e Maurício (0,804) oferecem uma qualidade de vida mais digna a seus habitantes. O Brasil amarga um índice -3 na classificação do “PIB per capita menos classificação no IDH” — o que significa que o desenvolvimento econômico está à frente do progresso social. “É preciso aumentar a renda, mas é ainda mais importante aumentar a velocidade dos avanços sociais.”
Longo prazo
O especialista brasileiro do Pnud lembrou que o IDH aponta tendências a longo prazo. Mas não se esquivou de enumerar os pontos negativos do desempenho brasileiro: pobreza, desigualdade, saneamento, mortalidade infantil e mortalidade materna. “O Brasil apresenta índices de pobreza humana muito maiores que os vizinhos”, alertou. “Os brasileiros mais ricos têm renda até 21,8 vezes maior que os mais pobres. Enquanto o Brasil tem uma cobertura de 75% de saneamento, o Uruguai goza de 100%. O índice de mortalidade infantil é de 99 por mil nascimentos entre os 20% mais pobres do Brasil. Trata-se de uma taxa africana”, acrescentou.
O grande vilão no panorama do desenvolvimento brasileiro é a péssima distribuição de renda. Entre os 177 pesquisados, o país é o 10º pior. Dados da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio (Pnad) de 2006 indicam que o DF tem a maior desigualdade de renda entre as principais regiões metropolitanas do país, com um índice de Gini de 61,2. Comparando-se com o relatório da ONU, esse número só é melhor que o registrado em Serra Leoa, República Centro-Africana e Lesoto — todos na África.
No quesito acesso a saneamento básico, o Brasil só supera o Panamá entre as 70 nações de alto desenvolvimento humano. De acordo com o britânico Kevin Watkins, autor do relatório, apesar do trabalho que precisa ser feito, o Brasil tem assistido a uma grande redução da pobreza nos últimos três anos. “Embora ainda seja um dos mais desiguais do mundo, o país vem dando passos positivos e mostra liderança em programas sociais de transferência, como o Bolsa-Família”, comentou. Para ele, crescimento econômico, redistribuição de crédito e da terra, eqüidade dos impostos e voz política aos marginalizados ajudariam a elevar a qualidade de vida.
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