TSE tira poder do violento imperador do Araguaia
março 05, 2008
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Vasconcelo Quadros
Uma decisão do ministro do Superior Tribunal Eleitoral (TSE) Caputo Bastos poderá tirar da vida pública o último bastião do regime militar e o homem mais odiado pela esquerda armada: Sebastião Curió Rodrigues de Moura, o major Curió, símbolo da repressão à Guerrilha do Araguaia, prefeito no segundo mandato e fundador de Curionópolis - a cidade do Sul do Pará que leva seu nome - deve deixar o cargo nos próximos dias, acusado de abuso de poder econômico e compra de votos nas eleições municipais de 2004. A decisão de Bastos derruba uma liminar do próprio TSE, que mantinha o prefeito no cargo, e devolve o caso para o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Pará, que já havia baixado sentença pela cassação em 2006. Ainda cabe recurso no TSE, mas Curió, assim que for comunicado da decisão, deverá responder fora do cargo. Suas chances de recuperar a cadeira e manter a condição de elegibilidade são remotas.
- Estou sendo cassado numa cidade que leva o meu nome. É um absurdo. A eleição teve pouco mais de sete mil votos válidos em 2004 e obtive 925 de frente. É uma montagem, uma politicalha patrocinada por meus adversários políticos. Em Curionópolis não preciso comprar votos - disse Curió ao Jornal do Brasil ao ser informado da decisão e anunciar que seus advogados estão preparando recurso para recorrer.
Ontem, ele ainda não havia sido comunicado oficialmente da decisão. Agora, tem duas alternativas: um agravo de instrumento ou um recurso especial, ambos com decisão do plenário do TSE e relatório do mesmo ministro que manteve a cassação.
- O TSE é uma corte de respeito e confio na decisão da justiça - afirmou o prefeito.
58 desaparecidos
Arquivo vivo do processo repressivo que resultou no sumiço de 58 guerrilheiros do PCdoB, entre 1972 a 1975, Curió foi eleito em 2004 pelo PMDB - uma ironia para um governo formado por vários exguerrilheiros e que tem no partido sua principal base de sustentação. Logo acabou sendo acusado pelos adversários de distribuir cestas básicas, camisetas, passagens e botijões de gás para vencer o pleito. Em maio de 2006, o TRE do Pará acatou a denúncia da coligação formada por nove partidos (PSDB, PTB, DEM, PSDC, PHS, PMN, PV e PT do B), que tinha o sugestivo slogan A Liberdade e o Progresso Estão de Volta e o prefeito foi afastado do cargo. Um mês depois, o ministro Marcelo Ribeiro, do TSE, concedeu liminar ao prefeito e este foi reconduzido até o julgamento definitivo do recurso. Agora cabe ao TRE do Pará definir o afastamento. Seus advogados argumentam que o prefeito foi condenado em 2006 por "especulação dedutiva", já que, segundo sustentam, não há provas de que ele tenha se envolvido com a compra de votos. Testemunhas ouvidas no processo afirmaram, no entanto, que Curió utilizou cabos eleitorais para consumar o crime eleitoral e tentar se livrar da acusação. O prefeito nega:
- A própria Polícia Federal, ao examinar os vídeos com a acusação, concluiu que era armação. Estou há três anos e dois meses no cargo e a denúncia era contra o vice-prefeito, não contra mim. Não preciso comprar votos na cidade que leva meu nome - repetiu Curió.
Indicado para o TSE na cota da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em 2004, o mineiro Caputo Bastos acabou tomando uma decisão que a esquerda torce há mais de 30 anos. Curió não é apenas um símbolo dos chamados anos de chumbo. Depois de comandar as operações de extermínio aos guerrilheiros do PC do B, esse coronel do Exército, hoje na reserva, construiu no Sul do Pará um império econômico, um sólido feudo político para os padrões amazônicos e até hoje exerce forte influência na região em que a guerrilha foi travada - uma área com cerca de 7 mil quilômetros quadrados, na margem esquerda do Rio Araguaia, entre o Sul do Pará e o que é atualmente o Norte de Tocantins.
Último de farda
Curió é o último militar com participação ativa nos combates que ainda exerce função pública.
Com a fama de quem exterminou a guerrilha, começou a consolidar sua influência no início da década de 1980, quando o general João Baptista Figueiredo - o último presidente da era militar - o nomeou interventor do Garimpo de Serra Pelada, em Eldorado dos Carajás, que ele administraria com mãos de ferro e regime de caserna. Apoiado pela população do garimpo, que chegou a ter mais de 80 mil homens em 1982, Curió foi eleito deputado federal, mandato que exerceu de 1983 a 1987, rivalizando com o exguerrilheiro no Araguaia, José Genoíno Neto. Os dois levaram a Guerrilha do Arguaia para o plenário da Câmara numa época em que o regime militar, ainda no poder, se recusava a admitir a existência do conflito. A guerrilha só veio à tona duas décadas depois com a abertura de um arquivo pessoal do exchefe do Comando Militar do Planalto, general Antônio Bandeira e a revelação de oficiais que participaram dos combates divulgadas por várias publicações.
Curió nunca falou o que sabe sobre o conflito. Mas sabe muito.
- Essa é uma outra história - disse ele, admitindo apenas que prepara um livro de memórias sobre o período.
A esquerda o acusa pela barbárie perpetrada no Araguaia: tortura, execuções sumárias de prisioneiros e o sumiço dos 58 militantes do PCdoB que desapareceram na região depois da Operação Sucuri, em 1973, a maior ação de infiltração num movimento subversivo já deflagrada no país, organizada pelo próprio Curió e que resultou no mapeamento da estrutura do movimento e identificação de toda a estrutura da guerrilha. Em entrevista publicada pela revista IstoÉ, há duas semanas, o prefeito admitiu que os restos mortais de parte do grupo aniquilado estariam enterrados em Palestina do Pará, cidade que era apenas um povoado no período do conflito. Levantamento feito por ex-soldados que trabalharam para o próprio Curió, com informações fornecidas por guias recrutados pelo Exército, apontam outros dez locais onde os guerrilheiros estariam sepultados.
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