PAULO DE TARSO LYRA - CORREIO BRAZILIENSE
Pouco mais de dois meses após as manifestações que sacudiram o país em junho e a menos de uma semana de uma nova passeata nacional, agendada para o próximo dia 7, o Congresso insiste em entregar presentes de grego à população e se fazer de mouco para o clamor dos brasileiros. A manutenção do mandato do deputado presidiário Natan Donadon (sem partido-RO), condenado a 13 anos e quatro meses por peculato e formação de quadrilha, foi a cereja do bolo do período. Os parlamentares prometem, só agora, derrubar o voto secreto nas cassações. Mas não transformaram a corrupção em crime hediondo, enrolam para acabar com o foro privilegiado e nem sequer cogitam analisar o fim da aposentadoria compulsória de magistrados e juízes envolvidos em casos de corrupção.
É verdade que algumas medidas paliativas foram aprovadas, como a derrubada da PEC 37 — que suprimia poderes de investigação do Ministério Público — ou o arquivamento, em plenário, do projeto da cura gay, que já tinha sido aprovada na Comissão de Direitos Humanos (CDH) da Câmara, presidida pelo deputado Marco Feliciano. “O Senado até tem sido um pouco mais pró-ativo do que a Câmara. Os senadores aprovaram, por exemplo, a necessidade de que os suplentes sejam eleitos e a proibição de que parentes sejam indicados para essa função”, lembrou o presidente do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Antonio Augusto de Queiroz, o Toninho do Diap.
Analistas insatisfeitos com a omissão do Congresso, no entanto, não enxergam nessa justificativa de Toninho um pendor mais democrático do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), do que o adotado pelo presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN). Afirmam que tudo não passa de uma questão de sobrevivência, já que, quando foi eleito para comandar a Casa, Renan enfrentou muitos protestos e até um abaixo-assinado pedindo sua renúncia. “Ao que me consta, não existem movimentos de pessoas dispostas a acampar na frente da residência oficial de Henrique como ocorreu com Renan”, lembrou um desafeto do peemedebista alagoano.
O episódio Donadon foi, sem dúvida, algo sintomático. “Nós estávamos tentando impor uma agenda positiva para a Casa e acontece esse desastre”, lamentou o segundo secretário da Mesa Diretora da Câmara, Simão Sessin (PP-RJ). Um petista com bom trânsito no plenário, no entanto, reclama que tem muitas pessoas dispostas a aproveitar as passeatas de junho para ganhar um prestígio que não teriam se a situação estivesse dentro da normalidade. “As ruas pediram mais ética na política, menores tarifas e melhores serviços públicos. Muitos deputados tentaram surfar nessa onda para dar totais poderes para o Ministério Público, algo que não estava na pauta dos manifestantes”, protestou o deputado do PT.
Na avaliação do deputado Chico Alencar (PSOL-RJ), a união de forças para livrar Donadon da cassação foi algo assombroso. Lembrou-se de quando entrou em litígio com a direção petista, durante a tramitação da Reforma da Previdência, em 2003. Na época, ele e outros petistas, como a então senadora Heloísa Helena, se recusaram a votar a matéria, mas tentaram negociar uma abstenção, em vez do voto contra. Ouviram do então presidente do PT, José Genoino (SP), que, em votação com quórum qualificado ou durante escrutínios secretos, um voto contrário tem o mesmo valor de uma abstenção ou de uma ausência na votação. “Existe uma massa nessa Casa disposta a manter as coisas como estão”, completou Chico.
Eleições 2014
Para o líder do DEM na Câmara, Ronaldo Caiado (GO), o que ocorreu na última semana foi inacreditável. “Nós conseguimos rasgar o resto de credibilidade que tínhamos. Até ensaiávamos alguns avanços, mas estragamos tudo”, reconheceu o líder demista. O ex-líder do governo na Câmara Cândido Vaccarezza (PT-SP) discorda. “O caso Donadon, sem dúvida, foi um erro político. Mas o Congresso tem cumprido o papel que o eleitor espera dele. E isso vai ser comprovado pelo resultado das eleições do ano que vem”, disse Vaccarezza.
Para ele, matérias importantes para o país, como a Lei dos Portos e o Código de Mineração — ainda em tramitação — beneficiam os brasileiros. E alerta para os cuidados da demonização do Legislativo. “Não existem alternativas com o fechamento do Congresso. Ditaduras são o pior dos mundos para um país”, completou. Companheiro de plenário de Vaccarezza, o deputado Reguffe (PDT-DF) é bem menos condescendente com seus pares. “O Congresso não esteve tímido nos últimos três meses.
Ele foi omisso nos últimos três anos. A reforma política caminha para uma simples reforma eleitoral. O Congresso age com espírito de corpo em vez de defender a sociedade que ele representa”, criticou Reguffe.
Para o mestre em direito e professor da FGV Rio, Pedro Abramovay, é clara a falta de compromisso dos parlamentares. “Eles não estão à altura do que aconteceu nas ruas a partir de junho.
As pessoas estão mais interessadas em política, mas os políticos insistem em sobreviver em um sistema fechado”, criticou. Para Abramovay, os recentes acontecimentos só servirão de combustível para os protestos de 7 de setembro. “Se as pessoas não forem às ruas, nossos parlamentares entenderão que têm carta branca para fazer o que quiserem com os próprios mandatos”, convocou.
A rua pede, mas o parlamento não vota
Minirreforma eleitoral
Situação atual: o projeto faz exatamente o contrário, enfraquece a legislação em vigor. O relatório do deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), que pretende afrouxar, entre outras coisas, regras de doação e financiamento para campanha com validade já para 2014, está pronto, mas não pôde ser votado porque a proposta dos royalties tranca a pauta da Câmara.
Corrupção como crime hediondo
Situação atual: o texto foi aprovado no Senado e havia a promessa de que passasse pela Câmara antes do recesso, mas não entrou na pauta de votações.
Marco civil da internet
Situação atual: a proposta que regulamenta o funcionamento e o trânsito de dados na rede foi considerada prioritária pelo governo desde que surgiram denúncias de que o Brasil foi alvo da espionagem americana. Não houve, porém, acordo sobre o texto.
Foro privilegiado
Situação atual: o fim do benefício dado aos parlamentares ficou na pauta da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara por duas semanas, mas o colegiado não conseguiu fazer votações.
Aposentadoria dos garçons
Situação atual: garçons e cozinheiros encheram as galerias da Câmara nas últimas semanas na esperança de que o projeto que lhes concede aposentadoria especial fosse aprovado, mas, apesar das promessas, o texto tem ficado no fim da fila.
Aposentadoria compulsória de magistrados e integrantes do MP
Situação atual: os senadores prometeram acabar com a regra utilizada como pena disciplinar. O lobby da categoria, no entanto, prevaleceu pelo menos por ora. O Senado tentou votar a matéria na última semana antes do recesso, mas, pressionado, adiou a votação.
Fim do voto secreto
Situação atual: apesar de ser um dos cinco itens sugeridos pela presidente Dilma Rousseff como tema do fracassado plebiscito sobre a reforma política, o tema também não encontrou consenso para avançar à votação final. A Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou texto que acaba com o sigilo em todas as circunstâncias previstas pela Constituição. Mas, na hora de ir ao plenário, a proposta encalhou. A oposição defende que seja preservado o voto secreto em caso de vetos presidenciais. Há propostas distintas sobre o assunto nas duas Casas.
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