Flagrado mais uma vez usando jatinho da Força Aérea para fins particulares, o presidente do Senado diz que ressarcirá os cofres públicos. Aeronáutica evita polêmica
LEANDRO KLEBER
ADRIANA CAITANO
CORREIO BRAZILIENSE
O presidente do Senado Federal, Renan Calheiros (PMDB-AL), decidiu devolver ao Tesouro Nacional o dinheiro gasto com o voo que fez de Brasília para o Recife em um jatinho da Força Aérea Brasileira (FAB), na última quarta-feira. Na capital pernambucana, o parlamentar fez um implante capilar e se submeteu a uma cirurgia de correção das pálpebras. Consultada por Calheiros se a viagem foi regular, a FAB preferiu não emitir juízo de valor sobre o tema. Em nota, o órgão informou que não faz julgamentos sobre a justificativa das viagens, em resposta ao ofício encaminhado pela Presidência do Senado, “que solicita esclarecimento sobre eventual impropriedade na requisição de aeronave”.
Apesar da resposta evasiva da FAB, a assessoria de imprensa do presidente do Senado informou que o valor a ser devolvido ainda será calculado. A Aeronáutica limitou-se a dizer que “observa fielmente o disposto no Decreto nº 4.244, de 22 de maio de 2002, abstraídas questões de mérito relacionadas ao motivo da viagem, o qual, embora declarado na solicitação, foge à alçada deste Comando julgar”. O decreto diz que os pedidos de transporte de autoridades ao comando da Arma devem ser atendidas apenas por motivo de segurança ou emergência médica, em viagens a serviço e em deslocamentos ao local de residência permanente.
A viagem de Calheiros a Pernambuco para se submeter a uma cirurgia de implante de 10 mil fios de cabelo, revelada pelo jornal Folha de S.Paulo, não se enquadra em nenhuma das situações previstas no decreto. Ele informou à FAB que se tratava de uma viagem de “serviço”, mesmo sem agenda de trabalho definida. Em junho deste ano, ele já havia usado uma aeronave da FAB para assuntos particulares e teve de reembolsar a União em R$ 32 mil, após a péssima repercussão do episódio. Na ocasião, ele foi ao casamento da filha do senador Eduardo Braga (PMDB-AM), em Trancoso, no litoral da Bahia.
Discurso
Ontem, em cadeia de tevê e rádio, Renan fez o segundo pronunciamento deste ano como presidente do Senado. Ele fez um balanço de projetos aprovados no Congresso em 2013, como o fim dos 14º e 15º salários, o voto aberto para cassação de mandatos e vetos presidenciais, e a concessão de novos direitos trabalhistas para os empregados domésticos. Embora tenha falado em nome de todo o parlamento, boa parte das propostas citadas por ele como resposta às manifestações de junho ainda não viraram lei porque falta a votação na Câmara. Estão nessa lista projetos como o que torna a corrupção crime hediondo, o que impõe perda automática de mandato para quem for condenado, a exigência de ficha limpa para servidores públicos e o do orçamento impositivo.
Renan Calheiros também disse que fez economia com o dinheiro público. Mas o Correio mostrou na edição de ontem que, ao contrário do discurso de austeridade de Renan, as despesas da Casa aumentaram em 2013 em relação a 2012. De acordo com a base de dados do Siga Brasil, o Senado gastou R$ 2,732 bilhões entre fevereiro (mês em que Renan assumiu a presidência) e novembro, valor R$ 23,4 milhões superior aos R$ 2,709 bilhões desembolsados no mesmo período de 2012.
O cálculo levou em conta tudo que foi gasto pelo órgão, incluindo os restos a pagar quitados. O aumento se deu, principalmente, com o pagamento de pessoal e de encargos sociais, que inclui os salários de parlamentares, servidores e comissionados. Em nota divulgada ontem, o Senado “esclarece que a economia anunciada pelo presidente Renan Calheiros é relativa à diferença entre o orçamento autorizado e o que foi realmente executado no ano de 2013”. De acordo com a nota, o cálculo não foi feito com base em comparação ao que foi executado em 2012.
Análise da notícia
O que se espera de um Comando da Aeronáutica de um país democrático é a capacidade de se posicionar sobre determinado ato. Por mais que políticos joguem para os militares a responsabilidade em apontar a irregularidade no uso de aeronaves, é mais do que razoável a Força Aérea se mostrar incomodada com os desmandos das autoridades.
Não vale enviar para a imprensa um texto de oito linhas para dizer que “disponibilizou o apoio de aeronave” ou mesmo que “questões de mérito” sobre o motivo da viagem não são da alçada do comando. Epa! Está mais do que clara a irregularidade do uso de jatos para fins particulares. Por que o receio em apontar tal coisa? Mais do que meros cumpridores de ordens de autoridades, um país precisa de servidores que se posicionem, o que a Força Aérea não fez.
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