Inflado por receitas extraordinárias, superavit primário atinge R$ 77 bilhões em 2013, mas não anima os investidores. Saldo é o pior desde 2009 e reforça a gastança desenfreada do governo.
Despesas aumentaram 13,5% em relação a 2012
ROSANA HESSEL | CORREIO BRAZILIENSE
O governo bem que tentou dar um tom ufanista ao superavit primário de 2013, que atingiu R$ 77,1 bilhões ou 1,6% do Produto Interno Bruto (PIB). Mas a economia para o pagamento de juros da dívida pública não animou ninguém. Além de o resultado ter sido o pior desde 2009, o número apresentado pelo secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, cuja credibilidade está no chão, foi alcançado basicamente por causa de receitas extraordinárias. Pelos cálculos dos especialistas, R$ 62,6 bilhões, ou 80% do total, foram conseguidos por meio de verbas que não se repetirão.
O correto, disseram os analistas, seria obter o superavit por meio de corte de gastos. Mas o que se viu foi exatamente o contrário. As despesas, por causa do inchaço da máquina pública, avançaram 13,5% em relação a 2012, totalizando R$ 914 bilhões. O crescimento foi superior ao salto das receitas, de 12,5%, que bateram em R$ 991,1 bilhões, já incluídos os recursos extraordinários. “Diante desses números, não há como se falar em ajuste fiscal consistente”, disse José Matias-Pereira, professor de administração pública da Universidade de Brasília (UnB).
No entender do secretário do Tesouro, não há o que reclamar. O superavit, segundo ele, ficou R$ 2,1 bilhões acima dos R$ 75 bilhões antecipados no início do mês pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, para acalmar “os nervosinhos” e R$ 4,1 bilhões além da meta oficial, de R$ 73 bilhões. “Esse resultado, para nós, é importante, pois auxilia no equilíbrio macroeconômico do país (o Banco Central está aumentando as taxas de juros) e reforça o esforço para a melhoria do indicador fiscal”, afirmou.
Augustin destacou ainda que o número foi alcançado “de forma positiva”, e o saldo de dezembro, de R$ 14,5 bilhões, foi o segundo melhor da série histórica. Para cutucar os pessimistas, ele adiantou que o resultado acumulado de novembro, dezembro e janeiro será o maior da história.
Descalabro
O superavit foi inflado, sobretudo, pelos R$ 15 bilhões oriundos da concessão do Campo de Libra e pelos mais de R$ 20 bilhões do Refis, programa de renegociação de dívidas atrasadas. Os dividendos pagos por estatais, mesmo 38% menores do que em 2012, também reforçaram o caixa do Tesouro e ajudaram na criatividade de Augustin. Segundo o professor Matias-Pereira, é preocupante a forma como o governo vem tratando um indicador tão importante para a confiança no país.
Ele lembrou que, inicialmente, a meta cheia de superavit, incluindo estados e municípios, era de 3,1% do PIB, conforme especificado na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Depois, reduziu-se o objetivo para 2,2%. Agora, dificilmente, se chegará a 2%, mesmo com a contribuição de outras esferas da Federação. “Infelizmente, optou-se por uma série de abatimentos no superavit, como as desonerações da folha salarial e as despesas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC)”, destacou o professor da UnB, ressaltando, que, pelas suas contas, a economia pura para o pagamento de juros da dívida foi de apenas 0,2% do PIB em 2013.
Repetindo o mantra de que tudo está na mais perfeita ordem, o secretário do Tesouro desdenhou dos que o acusam de ser o maquiador oficial da Esplanada dos Ministérios. “O critério (para o cálculo do superavit) primário é econômico. Não há outra consideração que não seja técnica e econômica”, assinalou. E disse mais: “As receitas com concessões serão contínuas nos próximos anos e poderão ser em volumes maiores”. O governo acredita que, neste ano, conseguirá avançar nas transferências de estradas para o setor privado e na privatização de portos e ferrovias.
Conforme Matias-Pereira, as falas de Augustin só contribuem para reduzir a confiança no país.
“Esse tipo de declaração só piora a credibilidade do Brasil. Falta humildade ao governo para reconhecer que está recorrendo a expedientes que não condizem com as boas práticas contábeis”, disse. Na opinião do economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, ninguém mais se surpreende com a criatividade do governo para mostrar uma saúde que as contas públicas não têm. “O Tesouro está sempre pronto para apresentar algo novo. Com certeza, os truques vão continuar em 2014. Disso, ninguém duvida”, frisou.
Não à toa, o país deverá ser rebaixado pela agências de classificação de risco nos próximos meses. Como a população será a grande prejudicada, o coordenador do Movimento Brasil Eficiente, Paulo Rabello de Castro, afirmou que a hora é de despertar em relação ao aumento e a péssima qualidade dos gastos públicos. “A sociedade produtiva que paga impostos está sem sangue, pregada na cruz e de cabeça para baixo. Enquanto isso, a gastança do governo se mantém desenfreada, coberta por receitas extraordinárias”, enfatizou. “É preciso impor limites a esse quadro assustador. Os gastos deveriam ser com investimentos produtivos, para melhorarem a condição de vida no país”, disse.
Estados Unidos crescem 1,9%
Apesar da crise orçamentária que paralisou o governo norte-americano na primeira metade de outubro do ano passado, os Estados Unidos cresceram mais que o previsto no quarto trimestre — 3,2% — na comparação com o mesmo período de 2012, segundo dados do Departamento de Comércio divulgados ontem. Em 2013, a expansão do Produto Interno Bruto (PIB) foi de 1,9%, ante 2,8% no ano anterior. Ainda preliminares, os números indicam um maior gasto de consumidores e empresas e exportações mais fortes.
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