‘Banqueiro’ de empreiteiras recebia parlamentares nos fundos do escritório. Seu advogado disse ao juiz: ‘Existia lavagem de dinheiro, sim. Vi vários deputados lá’
José Casado | O Globo
Estava refém numa cama do Hospital Albert Einstein, em São Paulo. Convalescia de um infarte, mas a aflição aumentava na proporção dos atrasos e do esvaziamento do caixa da nave-mãe do grupo. Autorizara seu procurador, João Procópio, a tentar cobranças diretas. Procópio pediu ajuda à contadora, Meire Poza.
— Ele me disse que a Camargo Corrêa devia R$ 12 milhões, por negócios com a Petrobras — ela contou em juízo. — Me pediu para preparar (notas fiscais). Iria até a Camargo, ver se recebia, pelo menos, R$ 2 milhões.
A contadora emitia notas “frias”, para simular serviços a empresas privadas envolvidas em projetos da Petrobras, como a construção da refinaria em Pernambuco e a montagem de plataformas de petróleo. Cuidava da aparência legal do dinheiro de propinas que entrava na GDF, empresa-líder do banco clandestino montado por Alberto Youssef, em cujo prontuário reluzem fraudes e lavagem de dinheiro. As notas emitidas por Meire não foram usadas:
— Parece que pagaram de outra forma — disse ao juiz.
Ela e o advogado Carlos Pereira da Costa trabalhavam para Youssef. No tribunal destacaram como clientes do “banqueiro” a Sanko Sider, Engevix, Camargo Corrêa, Mendes Jr., UTC-Constran e a OAS. As empresas negam ilicitudes.
Na segunda-feira, 7 de outubro do ano passado, o ex-enfartado Youssef atendeu ao telefone. Era um dos seus parceiros, Márcio de Andrade Bonilho, dono da Sanko Sider, fornecedora de tubos de aço para a Petrobras e empreiteiras contratadas pela estatal. Desfrutavam intimidade. Bonilho tratava Youssef pelo apelido de “Presi”. Às vezes, pronunciava “Presidente”.
Bonilho praguejava sobre os atrasos de pagamentos das empreiteiras:
— A Chaim tá f*, hein. Tá f*.
— Do nosso pessoal, o único que tá atrasado é o GMIX — respondeu Youssef.
Voltaram a conversar no dia seguinte, terça-feira 8 de outubro. O dono da Sanko Sider desabafou assim, conforme o processo judicial:
— Tá f*, Presi. Nóis precisamo arrumá uns 5 milhão prá dá uma ajeitada no fluxo, senão... O negócio tá feio pra caramba, cara. A Chaim não paga, tá f* (…) Vamo lá, presi (...) Precisa sará logo pra me arrumá um dinheiro, véi. Se não, comé que eu vô fazê aqui. Vai se f* prá sobrevivê.
Treze dias depois, na segunda-feira 21 de outubro, outro telefonema. Youssef queixou-se de Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras, responsável pelo projeto da refinaria pernambucana e com aliados no PT, no PMDB e no PP.
— Cara, ele acha que foi prejudicado, cê tá entendendo — disse a Bonilho. — O tanto de dinheiro que nós demo pra esse cara... E ele tem coragem de falá que foi prejudicado...
— Recebi nove milhão em bruto — prosseguiu. — Vinte por cento, eu peguei (...) Vê quanto ele levô. Vê quanto o comparsa dele levô. Vê quanto o Paulo Roberto levô (...) E vem falá pra mim que tá prejudicado?
Crises financeiras foram exceção nesse pedaço do submundo dos negócios com a Petrobras, dizem a contadora e o advogado. Até sua prisão, em março passado, Youssef vivia uma rotina de caixa recheado e recepção a parlamentares numa sala nos fundos do seu escritório paulista. O advogado Pereira da Costa contou ao juiz:
— Existia lavagem de dinheiro, sim. E eu vi vários deputados lá.
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