O ministro do Supremo, relator do mensalão, diz que o Tribunal está pronto para enfrentar os processos contra os políticos do petrolão e defende o fim do foro privilegiado
Diego Escosteguy | Época
O ministro Luís Roberto Barroso nem completou dois anos no Supremo, mas já fala com a convicção e a serenidade dos veteranos. Como a presidente Dilma Rousseff hesita há meses a nomear o sucessor de Joaquim Barbosa, Barroso ainda é “o novato”, na definição do veteraníssimo Marco Aurélio Mello, sempre mordaz. As opiniões assertivas e logicamente impecáveis de Barroso, reconhecido como um dos maiores constitucionalistas do Brasil, incomodam alguns dos ministros do Supremo, um tribunal de notáveis – e de notáveis vaidades. Nesta entrevista, Barroso, que passou a relatar o mensalão após a aposentadoria de Barbosa, reflete com cauteloso otimismo sobre a situação difícil do país, explica como o Supremo está tentando punir os poderosos e defende o fim do foro privilegiado para parlamentares e ministros.
O ministro Luís Roberto Barroso nem completou dois anos no Supremo, mas já fala com a convicção e a serenidade dos veteranos. Como a presidente Dilma Rousseff hesita há meses a nomear o sucessor de Joaquim Barbosa, Barroso ainda é “o novato”, na definição do veteraníssimo Marco Aurélio Mello, sempre mordaz. As opiniões assertivas e logicamente impecáveis de Barroso, reconhecido como um dos maiores constitucionalistas do Brasil, incomodam alguns dos ministros do Supremo, um tribunal de notáveis – e de notáveis vaidades. Nesta entrevista, Barroso, que passou a relatar o mensalão após a aposentadoria de Barbosa, reflete com cauteloso otimismo sobre a situação difícil do país, explica como o Supremo está tentando punir os poderosos e defende o fim do foro privilegiado para parlamentares e ministros.
DEPURAÇÃO O “novato” Barroso lidera, no Supremo, as mudanças que visam a tornar as punições mais efetivas (Foto: Sergio Lima/Folhapress)
ÉPOCA – O brasileiro convive com uma economia estagnada, um megaescândalo de corrupção na Petrobras e um governo que parece paralisado por tudo isso. Quão profunda é a crise pela qual passamos?
Luís Roberto Barroso – O Brasil está vivendo uma crise de amadurecimento. Decorre de uma cidadania que se tornou mais consciente, mais exigente e, de certa forma, mais participativa. E isso é bom. O problema é que as instituições e os serviços públicos ainda não conseguiram se ajustar adequadamente a essas novas demandas. Mas nós avançamos. Para perceber isso, é preciso enxergar o Brasil em três planos distintos: um plano político, um plano econômico e um plano institucional. No plano político, temos vivido as turbulências de uma eleição que dividiu o país de uma maneira muito relevante – não apenas dividiu, mas o polarizou. As pessoas saíram ressentidas das eleições: um lado ressentido com o outro. Existe a turbulência econômica, reconhecida por todos. Porém, do ponto de vista institucional, o país vai muito bem. Nós temos democracia e nós temos respeito às regras do jogo. Ou seja, amadurecemos institucionalmente.
ÉPOCA – Não é pouco? No plano concreto, muitas pessoas estão, em resumo, infelizes com a vida que levam.
Barroso – Pode parecer pouco, mas o Brasil sempre foi historicamente o país do golpe de Estado, da quartelada, da quebra da legalidade constitucional. E nessa matéria nós superamos todos os círculos do atraso. Já vivemos há 30 anos com estabilidade institucional – apesar de muitas crises, desde a destituição de um presidente da República até o abalo representado pela Ação Penal 470 (o mensalão).
ÉPOCA – Pensar no longo prazo, seja no passado ou no futuro, nos ajuda a pôr os fatos políticos no devido contexto. Mas e o presente?
Barroso – No longo prazo, são as instituições que contam. São elas que mantêm o estado de direito. A política se move por objetivos de curto prazo; a economia, muitas vezes, também. As instituições, no presente, somos nós todos. O Brasil tem progredido muito do ponto de vista institucional. Há muitas coisas a mudar, mas há coisas boas a celebrar.
ÉPOCA – Essa maturidade institucional será suficiente para suportar os possíveis choques que se avizinham, diante dessa combinação de crises?
Barroso – Não tenho nenhuma dúvida. Os Poderes da República vivem um momento de especial equilíbrio. No Executivo, a presidente foi eleita democraticamente, e nós já não vivemos no Brasil aquela tradição de hegemonia autoritária do Executivo. O Legislativo vive uma certa afirmação de autonomia. O Judiciário deixou de ser aquela torre de marfim inacessível. Passou a ser um bom garantidor de direitos individuais e de proteção às instituições. Existem disputas pontuais, mas isso existe em todas as democracias.
ÉPOCA – Casos de corrupção, como o desvendado na Operação Lava Jato, passam a sensação de que prevalece uma degradação institucional no Brasil. É uma impressão correta?
Barroso – Acho que o Brasil está se passando a limpo. Quando eu falo de ética, me refiro tanto à ética pública quanto à privada. É preciso chamar a atenção para a existência de uma certa moral dupla, em que as pessoas exigem o que nem sempre estão dispostas a dar. A mudança ética no Brasil tem de ser pública e privada.
ÉPOCA – A expressão “passar a limpo” já foi muito usada, e o Brasil continua, aparentemente, sujo. Não há um certo moralismo paralisante nela?
Barroso – É inegável que temos avançado na depuração ética. Às vezes não na velocidade que a gente gostaria, mas na direção certa. Vou dar um bom exemplo. Quando a apuração da Ação Penal 470 começou, em 2005, havia um grande ceticismo. Ninguém achava que aquilo fosse dar em coisa alguma. A verdade é que resultou em penas relevantes de prisão para mais de duas dezenas de pessoas, entre políticos importantes e empresários importantes. Portanto, só isso já foi uma mudança de patamar no país.
ÉPOCA – O clichê de que o brasileiro tem memória curta procede, então?
Barroso – Na vida, as pessoas realizam os ganhos rapidamente, mas remoem as perdas durante muito tempo. A partir do momento em que se teve o ganho, no caso a condenação efetiva de muitas pessoas, vem o passo seguinte: “Ah, mas ficaram presas por pouco tempo”. Já é o dia seguinte de uma mudança de paradigma. Se ficaram presas por pouco tempo, isso se deve às leis atuais – e as leis têm de valer para todos. O interessante é que nós fomos do ceticismo de que não haveria qualquer punição a uma certa insatisfação de que a punição que existiu foi menos duradoura do que se imaginava. A prova de que nós mudamos de patamar é que agora, quando se discute o assim chamado petrolão, ninguém mais está achando que não vai dar em nada, que ninguém vai ser punido, que ninguém vai ser preso.
ÉPOCA – O julgamento do mensalão realmente mudou o Supremo e os processos criminais no Brasil? Há quem tema que o Supremo ponha fim à Lava Jato.
Barroso – Não é o caso. A impunidade não é mais a regra. Na Ação Penal 470, houve algumas mudanças importantes. No caso de crime de peculato, que é o desvio de dinheiro, para progredir de regime prisional o condenado tem de devolver o dinheiro desviado. Porque a condenação é uma pena de prisão mais uma multa. Também tenho me empenhado para moralizar a prisão domiciliar. Prisão domiciliar é prisão. Não pode viajar por aí. É importante moralizar a prisão domiciliar: ela é uma alternativa humanitária às condições degradantes dos presídios. O país está um pouco menos tolerante com infrações penais de uma maneira geral, inclusive a dos poderosos.
ÉPOCA – Com as denúncias de políticos no petrolão, o Supremo será exigido mais uma vez. O Tribunal dará conta?
Barroso – Não há por que duvidar. O Supremo tem contribuído muito para uma arrumação do Direito Penal no Brasil. O Direito Penal deve ser moderado, mas deve ser sério. Porque, numa democracia, uma repressão penal proporcional, respeitado o devido processo penal, é indispensável para a vida civilizada – e para a própria proteção dos direitos fundamentais das pessoas. Temos tido avanços no sistema penal. Não com a construção de um estado policialesco, mas com algumas mudanças que quebram esse paradigma de impunidade.
ÉPOCA – Por exemplo?
Barroso – No Supremo, nós passamos do plenário para as turmas o julgamento dos processos criminais. Pode parecer pouco, mas se desobstruiu o plenário. Nós julgamos, em 2014, 35 ações penais e 12 julgamentos finais. Isso apenas na primeira turma, em que atuo. É mais do que o plenário havia julgado em muito tempo. Como essas ações que chegam ao Supremo são quase todas contra parlamentares, estamos superando a impunidade que prevalecia. Uma segunda mudança importante, também para evitar a impunidade, diz respeito ao parlamentar que renuncia ao mandato para fugir do julgamento no Supremo. Entendemos que esse estratagema não pode valer. O parlamentar, mesmo se renunciar, será julgado pelo Supremo.
ÉPOCA – Se a lei vale para todos, não seria o caso de acabar com o foro privilegiado?
Barroso – Eu acho que o capítulo final dessa história será uma redução drástica do foro. O foro privilegiado deve existir somente para presidente da República, para o vice-presidente e para os demais chefes de Poder. A médio prazo, eu seria um defensor dessa mudança. Depende do Congresso. Minha proposta é que se crie uma vara federal em Brasília apenas para julgar esses casos. Caberia recurso ao Supremo. Certamente acho muito ruim que isso fique no Supremo.
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