SÃO PAULO - Formação de cartel, empresas laranjas, doleiros, superfaturamento, financiamento de campanha eleitoral e propina a agentes públicos. Peças indispensáveis para o funcionamento da engrenagem que desviou pelo menos R$ 6 bilhões da Petrobras estão longe de ser exclusividade do maior caso revelado de corrupção no país. À imagem e semelhança da operação conduzida pela Justiça Federal, uma série de “Lava-Jatinhos” nos estados mostram que a base do esquema usado na estatal se repete até nas menores prefeituras brasileiras.
O GLOBO reuniu investigações de cartéis feitas pelos Ministérios Públicos de São Paulo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Bahia, Pernambuco e Goiás desde 2013. Elas apontam para um quadro desolador: nem mesmo serviços corriqueiros das administrações municipais, como compra de sacos de lixo ou tintas, têm passado ilesos pela corrupção.
Também não importa o valor em jogo. No interior de Santa Catarina, um contrato de R$ 36 mil para instalação de câmeras de segurança no centro de Rio Negrinho teve a licitação fraudada. Três empresas se juntaram em cartel, combinaram preços e definiram quem levaria o contrato, segundo denúncia em setembro de 2013. O prefeito na época do contrato e funcionários públicos também respondem pela fraude. Eles negam envolvimento.
O esquema somente chegou ao conhecimento dos promotores depois que um dos empresários delatou os parceiros — o combinado era que a empresa dele seria subcontratada pela vencedora para executar o serviço por R$ 6 mil, valor seis vezes menor do que o pago pela prefeitura, mas isso não aconteceu. Como a maioria das prefeituras brasileiras, Rio Negrinho vive basicamente de repasses do governo federal, que, em 2014, foram de R$ 37 milhões.
A compra de tintas e materiais de construção para a manutenção da cidade pela prefeitura de Restinga (SP) também entrou no radar de um esquema de fraude com direito a empresas laranjas. Conforme denúncia da promotoria em março deste ano, um ex-prefeito que ficou apenas cinco meses no cargo e mais 11 pessoas instituíram nesse período um “rodízio licitatório” para as concorrências públicas. Dezoito licitações teriam sido fraudadas, gerando um prejuízo de R$ 100 mil — 1% do orçamento municipal. Resultado ou não da corrupção, a cidade passa por dificuldades financeiras. No início deste ano, sem pagar por cinco meses a conta de luz, a prefeitura teve a energia cortada.
Outro serviço de rotina, a compra de sacos de lixo hospitalar por prefeituras da região de Bauru (SP) virou um processo criminal por formação de cartel. Empresas pagavam as concorrentes por fora para desistirem da disputa. Elas ainda são acusadas de superfaturamento de até 145%. Uma centena de sacos de lixo de 100 litros foi vendida em 2012 por R$ 141 à prefeitura de Bauru. Um ano depois, o município comprou o mesmo item por R$ 57. A suspeita de pagamento de propina a agentes públicos segue em investigação.
— O estado aqui é todo dividido em regiões cartelizadas. Infelizmente isso tornou-se muito comum — resume o promotor de Justiça do Rio Grande do Sul Ricardo Herbstrith.
Ele denunciou este ano um esquema conhecido como cartel do saco de lixo. A fraude envolveu 17 empresas do ramo de limpeza pública e prefeituras de todos os tamanhos. Por enquanto, o esquema foi denunciado em seis municípios — de Novo Hamburgo, que tem 250 mil habitantes, à pequena Tavares, de 5 mil.
Já a pacata Palmitinho, com 7 mil habitantes, também no interior gaúcho, acordou em dezembro passado com uma operação de combate a desvio de dinheiro público em sua prefeitura. A suspeita é que ela seja uma das lesadas por um conluio de empresários do setor de construção civil, vários deles da mesma família, que dividiram entre si obras de prefeituras da região.
OPERAÇÕES SÃO SOFISTICADAS
Há dois meses, Eugênio de Castro (RS), com 2.700 habitantes, entrou para o noticiário na Operação Carga Pesada, como alvo de uma máfia que fraudava licitações para compra e manutenção de maquinário (trator, escavadeiras, motoniveladoras) em 15 prefeituras do estado, com a ajuda de servidores.
— Tem havido mudanças tanto na nossa atuação como na dos infratores. Estamos conseguindo mais provas, e eles têm refinado o modus operandi. Não sei se houve um aumento dos casos de cartéis em licitações públicas em comparação ao passado, mas, com certeza, houve um aumento na descoberta pelos órgãos de controle — afirmou o promotor de Justiça potiguar Augusto Carlos Rocha de Lima.
A exemplo do que aconteceu na Petrobras, doações para campanhas eleitorais também são usadas como moeda de troca em esquemas menores. Isso foi flagrado no interior de Goiás, onde prefeitos garantiam exclusividade a empresas para a venda de medicamentos em troca de financiamento para campanhas eleitorais. Onze prefeitos, além de empresários e funcionários públicos, são réus desde 2014, mas alegam inocência.
Um recurso mais sofisticado, o uso de doleiros, também foi encontrado em um esquema voltado a cidades médias de São Paulo. O foco eram contratos para fornecimento de uniforme escolar em Osasco, Guarujá, Vinhedo e Itapevi, entre outras. O sistema lembra o revelado pela Lava-Jato. As empresas, dias após receberem a verba das prefeituras por serviços superfaturados entre 15% e 20%, usavam doleiros para lavar parte desse dinheiro em contas fantasmas e entregá-lo a servidores. Parte da propina chegava em caixas de uísque.
A recorrente prática de formação de cartel em fraude de licitações levou o MP do Rio Grande do Norte a realizar um curso no ano passado. O objetivo foi estreitar a atuação dos promotores com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), órgão federal responsável por fiscalizar e coibir o crime de cartel. Em abril, o Cade multou em R$ 15 milhões seis empresas acusadas de formar um cartel em licitações no interior de São Paulo.
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