Pesquisa analisa risco de decisões favoráveis aos doadores com alta contribuição em campanhas eleitorais antes de proibição
Júlio Bernardes | Jornal da USP
Antes da proibição de doações de pessoas jurídicas para partidos políticos e campanhas eleitorais, em 2015, havia uma hiperparticipação das empresas no financiamento da política. A conclusão é de pesquisa da Faculdade de Direito (FD) da USP, que aponta os efeitos dessa participação acentuada na fase governamental, após as eleições, devido ao risco de tomada de decisões favoráveis aos doadores. O trabalho do juiz federal Raphael José de Oliveira Silva recomenda uma divulgação maior e mais clara dos dados sobre doações, por meio da internet, e a cooperação da Justiça Eleitoral com a Receita Federal, a Polícia Federal e o Poder Judiciário para identificar contribuições ilegais.
Até o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.560 pelo Supremo Tribunal Federal (STF), concluído em 17 de setembro de 2015, pessoas jurídicas podiam doar até o limite de 2% do faturamento bruto da empresa no ano anterior às eleições. “O STF decidiu pela inconstitucionalidade dessas doações, e hoje apenas pessoas físicas podem doar”, relata o pesquisador. A proibição seria consolidada pela edição da Lei 13.165, promulgada em 29 de setembro de 2015.
De acordo com o pesquisador, o contexto que antecedeu o julgamento era de hiperparticipação dos aportes de pessoas jurídicas, razão pela qual se propôs a avaliar o grau de dependência das campanhas e dos partidos políticos em relação às doações, bem como a correlação entre arrecadação e sucesso eleitoral. “Contribuições de pessoas físicas corresponderam a apenas 2% do montante utilizado na campanha de 2014”, destaca Oliveira Silva. “Houve um grande financiamento de três setores da economia: alimentício, sistema financeiro e construção civil. Apenas dez empresas participaram das campanhas de 70% dos deputados eleitos.”
A falta de dados empíricos que demonstrassem os retornos decorrentes das doações foi superada pela análise de uma série de trabalhos nas áreas de ciências sociais, economia e administração. “Por exemplo, empresas mais afetadas por regulamentação governamental ou dependentes de contratos com o governo apareciam como as maiores doadoras nas campanhas de 1994 e 1998”, aponta o pesquisador. “Cálculos da valorização de ações de empresas doadoras em bolsa após as eleições identificaram o chamado ‘retorno anormal’ das ações de empresas que contribuíram com os candidatos vencedores em 1998 e 2002.”
Financiamento e malversação
Segundo Oliveira Silva, os escândalos e investigações vinham demonstrando nas últimas três décadas que existe um amálgama entre financiamento da política e malversação de recursos, desvios de dinheiro e “caixa dois”. “A preocupação era ainda mais vívida diante da eventual confirmação das condutas examinadas na Operação Lava Jato, pois revela um problema estrutural, um efeito sistêmico, aparentemente decorrente de um mecanismo de financiamento partidário e de campanhas que cria conexões com bens públicos”, afirma. “Recursos da administração indireta, por exemplo, fluiriam a empresas privadas e dali, em parte, seriam transformados em doações empresariais privadas a partidos, feitas com absoluto respeito às regras fixadas no ordenamento e aos precedentes fixados pelos tribunais.”
O estudo identificou o papel decisivo da jurisdição constitucional na conformação do modelo da política no Brasil, em especial no julgamento da ADI 4.650. No entanto, a Justiça Eleitoral – Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) – elaborou teses a respeito da participação de pessoas jurídicas que acabaram por subsidiar, em certa medida, a hiperparticipação dessas entidades.
“Um exemplo são os julgamentos que reconheceram a licitude da doação de empresa que não era concessionária de serviço público, mas de uso de bem público – como as das áreas de petróleo, gás natural e mineração – que não foram equiparadas às fontes vedadas”, aponta Oliveira Silva. “A jurisprudência do TSE validou as doações de sociedades que compõem o grupo econômico com concessionárias ou permissionárias de serviço público, inclusive em casos em que a empresa concessionária era quem controlava a doadora.”
O pesquisador recomenda que a contabilidade dos partidos seja disponibilizada de maneira simples, com fácil acesso e auditada por empresas independentes. “Um exemplo é a página na internet da Federal Election Commission (FEC), nos Estados Unidos, onde os gráficos sobre doações das candidaturas são de fácil entendimento e praticamente apresentados em tempo real”, conta. “Também é necessário que a Justiça Eleitoral dialogue permanentemente com as demais instâncias de persecução de atos ilícitos, como a Receita Federal, a Polícia Federal e o Poder Judiciário, na esfera criminal e no contencioso sobre licitações e contratos administrativos, para identificar irregularidades.” A orientadora do trabalho foi a professora Monica Herman Salem Caggiano, da FD.
De acordo com o pesquisador, o contexto que antecedeu o julgamento era de hiperparticipação dos aportes de pessoas jurídicas, razão pela qual se propôs a avaliar o grau de dependência das campanhas e dos partidos políticos em relação às doações, bem como a correlação entre arrecadação e sucesso eleitoral. “Contribuições de pessoas físicas corresponderam a apenas 2% do montante utilizado na campanha de 2014”, destaca Oliveira Silva. “Houve um grande financiamento de três setores da economia: alimentício, sistema financeiro e construção civil. Apenas dez empresas participaram das campanhas de 70% dos deputados eleitos.”
A falta de dados empíricos que demonstrassem os retornos decorrentes das doações foi superada pela análise de uma série de trabalhos nas áreas de ciências sociais, economia e administração. “Por exemplo, empresas mais afetadas por regulamentação governamental ou dependentes de contratos com o governo apareciam como as maiores doadoras nas campanhas de 1994 e 1998”, aponta o pesquisador. “Cálculos da valorização de ações de empresas doadoras em bolsa após as eleições identificaram o chamado ‘retorno anormal’ das ações de empresas que contribuíram com os candidatos vencedores em 1998 e 2002.”
Financiamento e malversação
Segundo Oliveira Silva, os escândalos e investigações vinham demonstrando nas últimas três décadas que existe um amálgama entre financiamento da política e malversação de recursos, desvios de dinheiro e “caixa dois”. “A preocupação era ainda mais vívida diante da eventual confirmação das condutas examinadas na Operação Lava Jato, pois revela um problema estrutural, um efeito sistêmico, aparentemente decorrente de um mecanismo de financiamento partidário e de campanhas que cria conexões com bens públicos”, afirma. “Recursos da administração indireta, por exemplo, fluiriam a empresas privadas e dali, em parte, seriam transformados em doações empresariais privadas a partidos, feitas com absoluto respeito às regras fixadas no ordenamento e aos precedentes fixados pelos tribunais.”
O estudo identificou o papel decisivo da jurisdição constitucional na conformação do modelo da política no Brasil, em especial no julgamento da ADI 4.650. No entanto, a Justiça Eleitoral – Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) – elaborou teses a respeito da participação de pessoas jurídicas que acabaram por subsidiar, em certa medida, a hiperparticipação dessas entidades.
“Um exemplo são os julgamentos que reconheceram a licitude da doação de empresa que não era concessionária de serviço público, mas de uso de bem público – como as das áreas de petróleo, gás natural e mineração – que não foram equiparadas às fontes vedadas”, aponta Oliveira Silva. “A jurisprudência do TSE validou as doações de sociedades que compõem o grupo econômico com concessionárias ou permissionárias de serviço público, inclusive em casos em que a empresa concessionária era quem controlava a doadora.”
O pesquisador recomenda que a contabilidade dos partidos seja disponibilizada de maneira simples, com fácil acesso e auditada por empresas independentes. “Um exemplo é a página na internet da Federal Election Commission (FEC), nos Estados Unidos, onde os gráficos sobre doações das candidaturas são de fácil entendimento e praticamente apresentados em tempo real”, conta. “Também é necessário que a Justiça Eleitoral dialogue permanentemente com as demais instâncias de persecução de atos ilícitos, como a Receita Federal, a Polícia Federal e o Poder Judiciário, na esfera criminal e no contencioso sobre licitações e contratos administrativos, para identificar irregularidades.” A orientadora do trabalho foi a professora Monica Herman Salem Caggiano, da FD.
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