NELSON MOTTA - FOLHA DE SÃO PAULO
RIO DE JANEIRO - Quando se ouvem os diálogos gravados entre parlamentares, funcionários, assessores e lobistas com a turma da Gautama, tudo soa parecido com o pessoal do tráfico, do movimento, armando suas paradas e se defendendo dos X9 e dos "alemão".
A diferença é que a linguagem dos bandidos do morro, criada para enganar a polícia e o pessoal do asfalto, é muito mais rica e colorida que a da turma de gravata e crachá. Mas são todos droga malhada do mesmo sacolé.
Quando os traficantes perguntam "do preto ou do branco?", é como se fossem empreiteiros e políticos combinando "é estrada ou ponte?"; "é emenda ou aditivo?", "é carro ou caneta?".
Curiosamente, tanto uns como outros jamais falam em propina -não são otários, otários somos nós-, sempre usam o código "fazer um agrado". Além de "chefe", talvez seja a única expressão usada igualmente pelas duas tribos, tão diferentes nas linguagens e tão parecidas nos objetivos.
Outra diferença é que as vítimas dos bandidos do morro são indivíduos e estabelecimentos comerciais, enquanto as quadrilhas da Esplanada roubam o dinheiro suado de todos nós e deixam um rastro de impunidade que abala a fé na democracia e nas instituições.
Como os bandidos são mimosos, os que recebem os mimos vão ficando mimados, têm prisão especial, foro privilegiado e liminares, enquanto o pessoal do short e chinelo fica em cana. Mas quem comete um crime mais grave? Quem vende droga proibida a um adulto ou quem rouba toda a coletividade, geralmente em Estados miseráveis?
Ainda sonhamos com o dia em que o Supremo Tribunal Federal mandará um parlamentar para a cadeia, pela primeira vez em toda a sua história, enquanto sustentamos os mimosos, mimados e intocáveis.
Mimos vão deixando os mimosos mimados
maio 25, 2007
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