Em pleno recesso, senador distribui ‘Dossiê Ignorado’
Renan Calheiros (PMDB-AL) aproveita o recesso parlamentar para tentar reverter a atmosfera de suspeição que lhe rói o prestígio. Nos últimos dias, enviou a um grupo de senadores e jornalistas uma nova peça de defesa. Chama-se “O Dossiê Ignorado”. A despeito do nome, não contém um mísero dado desconhecido.
Além de batido, o “dossiê” de Renan é seletivo. Mostra o que convém e esconde o que remanesce sem resposta. Por exemplo: incorpora, em anexo, as seis folhas resultantes da perícia feita em sua documentação pela Secretaria de Controle Interno do Senado. Mas não faz desconhece as 20 páginas da vistoria que a Polícia Federal realizou no mesmo papelório.
As duas perícias foram encomendadas pelo Conselho de Ética. Foram feitas em escassas 48 horas. O trabalho do Senado, mais superficial, limitou-se a atestar a “autenticidade” dos papéis apresentados por Renan.
A análise da PF, embora preliminar, detectou 20 “inconsistências” nas transações bovinas do senador. E pediu prazo de 20 dias para aprofundar a averiguação. No último sábado (21), a PF recebeu parte da documentação a ser perscrutada. Pediu mais papéis. Deve recebê-los até quinta-feira (26). Só então começará a contar o novo prazo.
O “dossiê” de Renan foi elaborado pela banca advocatícia Eduardo Ferrão-Baeta Neves, contratada pelo senador. Sustenta, em essência, que a representação do PSOL contra Renan “é sustentada por recortes de notícias”, enquanto “a defesa do senador é sustentada por documentos”. Anota: “Essa defesa tem sido ignorada”.
São listados no documento dados que, longe de ser ignorados, foram fartamente noticiados. A principal tese repisada no texto é a de que Renan dispunha de recursos próprios para bancar a pensão alimentícia da filha nascida da relação extraconjugal com a jornalista Mônica Veloso. Não precisaria, portanto, servir-se nem a recursos da Mendes Júnior nem de Cláudio Gontijo, diretor da construtora.
No capítulo “Provas Contábeis”, o “dossiê” de Renan volta a mencionar a origem do dinheiro do senador. Sua principal fonte de renda seria a venda de bois: R$ 1,9 milhão entre 2003 e 2006. É justamente sobre essas transações que se debruçaram os peritos do Instituto de Criminalística da PF. Levantaram-se dúvidas eloqüentes. A “nova defesa” de Renan não contrapôs nenhum dado capaz de afastar os questionamentos.
São três os principais questionamentos levantados pela PF: 1) ausência de notas fiscais que comprovem a venda de 244 cabeças de gado no ano de 2004; 2) divergências entre as notas fiscais e GTAs (Guia de Trânsito Animal, documento exigido para o transporte dos bois); 3) indícios de inidoneidade nas empresas que, segundo Renan, adquiriram bois de suas fazendas.
Pelas contas preliminares da PF, resultou sem comprovação a venda de 1.060 bois. Em dinheiro, corresponde a cerca de R$ 1 milhão, mais da metade do faturamento que o presidente do Senado diz ter tido com os seus negócios agropecuários. O silêncio do dossiê de Renan sobre esses questionamentos pode ser um prenúncio da disposição do senador de questionar o aprofundamento da perícia da PF.
O documento da polícia vai fundamentar a decisão do processo contra o senador no Conselho de Ética, que volta a trabalhar em 1º de agosto, depois do recesso. Em privado, Renan e sua tropa de choque afirmam que, sem autorização expressa do STF, a PF não pode investigar o presidente do Senado.
Ouvido pelo blog, o ministro Tarso Genro (Justiça) diverge desse entendimento. Afirma que a PF está apenas atendendo a uma solicitação da Mesa do Senado, por provocação do Conselho de Ética. A análise dos documentos não constitui, na opinião de Tarso, uma investigação clássica. Daí a desnecessidade de autorização do Supremo.
Escrito por Josias de Souza
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