Sete de oito integrantes de embaixadas ouvidos pelo EL PAÍS acreditam que segundo turno se dará entre capitão e Alckmin. Para eles, dificilmente o país vai avançar numa agenda menos protecionista
Afonso Benites | El País
Quando o deputado federal Jair Bolsonaro começou a discursar de maneira descontraída em uma reunião da qual participaram quase 20 diplomatas estrangeiros de alto escalão em Brasília, a plateia se surpreendeu com o capitão reformado do Exército e candidato do PSL à Presidência da República. Acharam que aquele político acostumado a fazer discursos radicais, defender torturador da ditadura militar e retrucar mulheres que o atacam verbalmente tinha mudado. “Ficamos perplexos. Parecia uma pessoa moderada. Muito diferente do que estamos acostumados a ver nos noticiários e na tribuna do Congresso”, disse um dos presentes ao encontro. Minutos depois, quando passou a falar sobre o seu projeto de país, seus planos a para economia e relações exteriores, contudo, a surpresa positiva se tornou descontentamento. “Ele é muito raso. Sempre recorre a assessores. Nunca sabe dar uma resposta aprofundada. Não me parece que ele saiba o que fará se chegar à presidência”, afirmou outro espectador. Uma das conclusões de parte desses diplomatas foi que, sem saber o rumo a se dar às relações internacionais, em um primeiro momento, o Brasil pode se isolar.
Jair Bolsonaro tira selfie com policial de São Paulo. NELSON ALMEIDA AFP |
Em seu plano de Governo, Bolsonaro já deixou claro que vai se afastar de países que considere serem governados por ditadores de esquerda e que investirá mais em acordos bilaterais do que em outros que envolvam blocos econômicos como o Mercosul ou a União Europeia. É mais ou menos o que a gestão do americano Donald Trump, em quem ele se inspira, tem feito. Se a inspiração é no radical presidente dos Estados Unidos, dizem diplomatas, é de se esperar que medidas protecionistas ao mercado brasileiro aumentem. Porém, como o Brasil não é um player global como os EUA, pode sofrer perdas consideráveis de investimentos. “Essa incerteza é o que nos preocupa mais”, avaliou um diplomata.
Nas últimas duas semanas o EL PAÍS entrevistou oito representantes de embaixadas estrangeiras lotados em Brasília. Todos falaram sob a condição de não terem seus nomes e funções publicados. A justificativa é que que os países que eles representam não querem interferir nas eleições brasileiras. Foram ouvidos diplomatas que atuam em embaixadas da Europa, América, Ásia e África. Entre eles, grandes parceiros comerciais do Brasil. Todos se reuniram com ao menos 5 dos 13 candidatos à presidência neste ano. Em Brasília é comum esse tipo de reunião entre representantes de governos estrangeiros e políticos brasileiros.
Eis algumas das avaliações dos entrevistados para o pleito de 2018:
1) Sete dos oito diplomatas apostam que o segundo turno será entre o ex-governador paulista Geraldo Alckmin (PSDB) e Jair Bolsonaro – apenas um deles acha que o capitão estará fora do segundo turno e que o duelo se dará entre o PSDB e o PT;
2) Ninguém arrisca dizer quem será o eleito;
3) Em caso de vitória de Bolsonaro, entendem que Brasil pode perder investimentos e ter relações internacionais afetadas porque o candidato é inseguro e seus posicionamentos não são tão claros;
4) No caso de vitória de Alckmin, afirmam que pouco da atual política de relações internacionais de Michel Temer (MDB) mudará e;
5) Seja quem for o eleito, sete dos oito entrevistados acreditam que dificilmente as medidas protecionistas do mercado brasileiro serão reduzidas. Apenas um dos entrevistados acredita que é possível abrir mais o mercado. Todos concordam que, com Bolsonaro, o protecionismo poderia se acentuar. “O Brasil é muito protecionista. E isso não é só por causa dos governantes. As classes poderosas são protecionistas em todas as áreas, da agricultura à área têxtil”, ponderou um dos entrevistados.
O segundo turno
Nas últimas semanas, tem sido comum ler análises de cientistas políticos brasileiros nas quais afirmam que Bolsonaro atingiu seu teto, que a aliança de Alckmin com o centrão fará com que ele cresça nas pesquisas e que, com o início oficial da campanha eleitoral e a definição do candidato real do PT (já que são remotas as chances de a Justiça liberar a candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preso em Curitiba por corrupção), o segundo turno acabará ocorrendo entre os petistas e os tucanos. Os diplomatas ouvidos pela reportagem são céticos quanto a essa hipótese. “Nas últimas eleições nacionais as pesquisas estiveram um tanto longe da realidade. Acho que nessas também estão”, afirmou um dos entrevistados. Na visão dele, por mais que Lula consiga transferir parte de seus votos para o seu atual vice, Fernando Haddad, dificilmente este chegará ao segundo turno. “O Haddad é um intelectual, muito preparado. Mas ele não tem cheiro de petista. Ele não move massas, nem se colocar essa máscara do Lula que estão distribuindo para a militância.”
O único que acredita que o PT estará no segundo turno diz que isso se dará pela força de Lula no Nordeste e que o tempo de propaganda na TV de Bolsonaro (são menos de dez segundos em uma programação total de 25 minutos para todos os candidatos por dia), aliado aos ataques que ele sofrerá, o tirarão da disputa rapidamente. “Em 2014, atacaram tanto a Marina Silva, que ela ruiu. Acho que agora será igual com o Bolsonaro”.
E o que pensam sobre a candidatura da ex-senadora Marina Silva (REDE)? “Ela só vem à tona a cada quatro anos. Depois, some. É bem vista lá fora, mas parece que não acrescenta nada além de uma boa agenda na área ambiental”, disse outro diplomata. No caso de Marina, assim como no de Ciro Gomes (PDT), a falta de união dos partidos de esquerda pode prejudicá-los, afirmaram quatro representantes de embaixadas. “Se a esquerda estivesse unida, sem dúvida ela estaria no segundo turno. Mas o PT preferiu ter a hegemonia do que se aliar a quem pensa de maneira parecida com a dele”.
Os prognósticos feitos por esses diplomatas nem sempre dão certo. Em 2015, por exemplo, era praticamente consenso entre um grupo de embaixadores europeus que a então presidenta Dilma Rousseff (PT) não seria derrubada do poder por meio de um impeachment. Um ano depois, ela caiu. Por outro lado, assim que estourou o escândalo da JBS envolvendo o sucessor de Dilma, Michel Temer, a ideia era outra, a de que ele não perderia o cargo. E acertaram. Ao fim e ao cabo, mesmo que Bolsonaro venha a ser eleito, o sentimento é que o mundo terá de aceitar uma nova forma de governar. Como resumiu um dos entrevistados. “A tudo podemos sobreviver. Estamos aprendendo a lidar com o Trump, com o Brexit e com outros radicalismos. Podemos nos adaptar a tudo.”
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