KENNEDY ALENCAR
Colunista da Folha Online
A prisão de Zuleido Veras, proprietário da construtora Gautama, causou muita apreensão em altos escalões da política e do empresariado. Zuleido é um corruptor com trânsito em todo o país, como mostrou a Operação Navalha da Polícia Federal.
Seu depoimento, dado no sábado no STJ (Superior Tribunal de Justiça), vinha sendo aguardado com muita expectativa em Brasília. Políticos e colegas de empreitada temiam eventuais revelações.
Mas Zuleido se recusou a depor. É um direito de todo acusado não se auto-incriminar. Seu gesto tem ainda outro significado: uma espécie de sinal para tranqüilizar políticos e empresários.
A Operação Navalha mostrou como Zuleido se relacionava com os políticos. O empresário poderia contar como se relacionava com outros empreiteiros na acirrada disputa por obras públicas. Poderia revelar, quem sabe, combinações usuais entre empresas para que cada uma delas ganhasse uma obra ou um naco de um grande projeto.
Com o perdão do clichê, o dono da Gautama é um verdadeiro arquivo-vivo. Nessa condição, sua integridade física é algo que deve preocupar bastante a PF (Polícia Federal) e a Justiça.
Por ora, nenhum sinal de que aceite a delação premiada. Sua atitude é a de quem pretende matar no peito, segurar alguns dias de cadeia e batalhar para que o processo judicial se arraste e não resulte em grande coisa.
Pena. Nos grandes escândalos, os corrompidos caem mais facilmente do que os corruptores. Se abrisse o bico, o budista Zuleido poderia fazer fantásticas revelações a respeito dessa segunda leva de criminosos.
Efeito algema
Uma polêmica da semana foi travada entre o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes e o procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza. Mendes foi criticado por decisões que libertaram presos da Operação Navalha.
O procurador-geral se queixou indiretamente, dizendo que a ministra do STJ Eliana Calmon determinara prisões por maior familiaridade com a Operação Navalha e, portanto, maior conhecimento das falcatruas, o que justificaria as detenções.
Mendes, Souza e Calmon usaram argumentos jurídicos para sustentar suas teses. Em direito, há sempre uma forma de justificar uma posição. No entanto, prisões por períodos superiores a uma semana ou alguns dias têm um efeito importante: minar a resistência do acusado em colaborar com a polícia, o Ministério Público e a Justiça.
Durante a semana, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu a ação da PF, mas disse que não era necessário algemar em algumas situações. Os relatórios da PF mostraram, entretanto, que o método foi justificável na Operação Navalha.
Algemas e alguns dias de cadeia são pouca coisa para quem realmente rouba dinheiro público. Nos EUA, presos são levados a depor com uniforme laranja e pés algemados ligados uns aos outros por correntes. O expediente não é usado apenas para evitar eventuais fugas. Aparecer daquele jeito na frente de amigos, familiares e das câmeras é uma forma punição e de incentivar a colaboração com as autoridades. Para alguns, algo fascista. Para outros, evidência de que lá não prospera a impunidade que campeia por aqui. E isso faz uma diferença danada.
Se Zuleido tivesse a perspectiva de ver o sol nascer quadrado por meses, talvez não se recusasse a colaborar com o Ministério Público, a polícia e a Justiça. Será que todo o material coletado pela Operação Navalha não justificaria prisões por períodos mais longos?
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